sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Artigos do Livro Brasil Musical

Adoniran Barbosa
Por Nilson Tassi
João Rubinato é o verdadeiro nome de Adoniran Barbosa, sétimo filho de um casal de imigrantes italianos que foi morar em Valinhos, interior de São Paulo, vindos de Veneza.
Sua verdadeira data de nascimento é 06/07/1912, mas em 1922, ao completar 10 anos, foi alterada para 1910, para que pudesse trabalhar, já que a idade mínima para tal era 12 anos.
Sua família logo se mudou para Jundiaí, e o menino foi ajudar o pai no serviço de cargas de vagões da E. F. São Paulo Railway. Abandonou cedo a escola, já que a família era numerosa e precisava ajudar no seu sustento. Entre outros serviços foi entregador de marmitas, das quais sempre comia alguns bolinhos, e varredor de fábrica.
Já residindo em Santo André-SP, o jovem trabalhou de tecelão, pintor, encanador, serralheiro e garçom. Ao mudar-se para São Paulo, aprendeu a função de metalúrgico-ajustador no Liceu de Artes e Ofícios, mas seus pulmões não resistiram ao pó de ferro esmerilhado e teve que deixar o emprego, indo trabalhar de vendedor. Entretanto, o rapaz queria ser artista.
Antes da música, tenta os palcos, mas não tinha instrução suficiente. Aos 22 anos já compõe algumas músicas e participa do programa de calouros de Jorge Amaral na Rádio Cruzeiro do Sul, sendo gongado diversas vezes. O início de carreira incerto e a dificuldade da própria vida se transformariam em aprendizado e definiriam um traço marcante em sua trajetória, pois a observação da luta do povo e a sua própria seriam uma constante em sua obra, sempre com muito humor.
A ideia de ser ator ainda não o abandonara, mas vivia-se a época de ouro do rádio e as possibilidades de ter sucesso econômico pareciam mais atraentes naquele veículo. Embora tivesse mais aptidão para a composição, na época os compositores não ganhavam muito dinheiro, então resolve ser cantor. Adota o nome Adoniran Barbosa, que toma emprestado de dois de seus amigos, retorna à rádio, e ao cantar “Filosofia”, de Noel Rosa, finalmente consegue passar no programa de calouros e inicia a carreira artística a convite do cantor Paraguaçu, apresentando-se em programa semanal acompanhado por um grupo regional.
Sua primeira música gravada foi “Dona Boa”, primeira colocada no concurso de marchas carnavalescas da Prefeitura de São Paulo, em 1935. Após um tempo na Rádio Cruzeiro do Sul, se transfere para Rádio Record, a convite de Otávio Gabus Mendes, onde trabalharia por 30 anos. Lá ingressa no Radio Teatro, fazendo os “Serões Domingueiros” e tem contato com Osvaldo Moles, criador de vários personagens populares, que influenciariam a criação de Adoniran, sobretudo no aspecto da linguagem.
Sua ótima interpretação desses tipos torna-se um sucesso no rádio e o fazem perceber a dimensão de seu talento. Como a composição continuava sendo algo latente em Adoniran, a combinação de suas profundas observações do cotidiano, as suas experiências de vida e o seu bom humor, constituíram-se na matéria prima principal dos sambas que comporia dali para frente.
Vale destacar a linguagem popular de ritmo paulistano de suas composições. Para Adoniran, as letras dos sambas tinham que ser escritas de maneira que o povo pudesse entender. Enquanto a maioria dos sambistas buscava uma linguagem mais formal em suas composições, os sambas de Adoniran eram recheados de erros de português comuns às pessoas do povo (ele fazia questão de escrever como o povo falava) e dos tipos que observava na rua e costumava interpretar, tais como: despejados das favelas, engraxates, mulheres que abandonam a casa, homens solitários, etc. Dessas canções podem-se extrair pérolas como: “Peguemo todas as nossas coisa e fumo pro meio da rua apreciá a demolição” (Saudosa Maloca), “De tanto levá frechada do seu olhar, meu peito até parece sabe o que? Táubua de tiro ao álvaro, não tem mais onde furá.” (Tiro ao Álvaro), “ ...Nós vortemo cuma beita de uma reiva, da outra vez nóis num vai mais, nós num semo tatu” (Samba do Arnesto), isso só para citar algumas das mais famosas.
O grande intérprete de seus sambas seria o conjunto “Demônios da Garoa”, com o qual Adoniran se apresentou durante um tempo, e que desde o final dos anos 40 e, principalmente, nos anos 50 gravava suas músicas. Seu grande sucesso viria a ser “Trem das Onze”, gravada em 1951 pelo autor, porém sem sucesso, e regravada pelo grupo em 1965, que, curiosamente, estourou, primeiramente, no Rio de Janeiro ao ser vencedora do concurso de músicas de carnaval do quarto centenário de fundação da cidade. Até hoje essa composição é uma das mais cantadas em qualquer roda de samba no país e colocou de vez o samba paulista no cenário nacional. A música é considerada um hino popular da cidade de São Paulo e é uma marca registrada do compositor.
Adoniran teve dois casamentos. O primeiro, que durou apenas um ano, com Olga, mãe de sua única filha Maria Helena, e o segundo, para o resto da vida, com Matilde, sua companheira e parceira nas músicas “Prá que chorar?” e “ A garoa vem descendo”. Matilde compreendia perfeitamente o artista com quem convivia, sua vida boêmia e sua instabilidade financeira, sendo sempre uma grande incentivadora. No retorno de uma de suas várias noitadas, de porre, perdeu a chave de casa, não restando a ele outra alternativa senão acordar Matilde, já com o dia amanhecendo. Após discutirem bastante, Adoniran compõe “Joga a chave”, um grande sucesso.
Sua experiência no Radio Teatro o levou a atuar em dois filmes de Ademar Gonzaga: “Pif-Paf”, “Caídos do céu” e em “O Cangaceiro”, de Lima Barreto. Levado à televisão, atuou nas primeiras novelas da TV Tupi e em programas humorísticos da TV Record de São Paulo.
Adoniran sempre viveu na simplicidade e com muita alegria, sua obra revela o seu grande amor por São Paulo, seu povo e, em particular, pelo bairro da Bela Vista (Bexiga), onde virou nome de rua.
No fim da vida, sofrendo de enfisema pulmonar, pratica outra arte: miniaturas, feitas de lata e madeira e movidas à eletricidade, que retratavam lugares pelos quais passou ao longo de sua vida, tais como: rodas-gigante, trens de ferro, carrosséis e outros objetos. Sobre o que alguns chamavam de higiene mental, Adoniran brincava dizendo se tratar de “higiene de débil mental”.
O artista nos deixou em 23 de novembro de 1982 e é lembrado no Museu Adoniran, numa escola com seu nome em Itaquera e em outras homenagens no cenário paulista.

Aluízio Machado
Por Norton Ribeiro
Assim como Delcio Carvalho e o histórico malandro compositor Wilson Batista, Aluizio Machado veio do interior do Estado do Rio de Janeiro, mais especificamente de Campos dos Goytacazes, onde nasceu no dia 13 de abril de 1939. Chegou à capital ainda menino e aos 14 anos começou a desfilar pela Império Serrano, escola de samba a qual se dedicou e compôs obras memoráveis, tornando-se integrante da Ala de Compositores posteriormente. Antes, porém, trabalhou como estofador e foi funcionário do Tribunal Marítimo, onde atuou como arquivista.
Na década de 1960, participou com Nara Leão e João do Vale do famoso show Opinião, um espetáculo musical dirigido por Augusto Boal, produzido pelo Teatro de Arena e por integrantes do Centro Popular de Cultura da UNE, instituição que havia sido colocada na ilegalidade pelo regime militar. O elenco era formado por Nara Leão (depois substituída por Maria Bethania), João do Vale e Zé Kéti. Os atores-cantores intercalavam canções e narrações referentes à problemática sócio-política do país naquele período. O texto era assinado por Armando Costa, Oduvaldo Vianna Filho e Paulo Pontes. O show acabou marcando o início da aproximação entre uma juventude engajada nas questões sociais e o samba que havia amargado um período de ostracismo por ser considerado uma música de país subdesenvolvido até algum tempo antes dessa época.
No início da década de 70, Aluizio Machado venceu o programa “A Grande Chance”, de Flávio Cavalcanti, na TV TUPI e, graças à conquista, gravou seu primeiro LP: "Apesar dos pesares". Posteriormente, seus sambas passaram a ser gravados por vozes conhecidas, demonstrando a qualidade de seu trabalho, como fez Beth Carvalho ao incluir "Escasseia" num de seus discos, e Alcione quando interpretou "Minha Filosofia" em 1981.
O samba-enredo “Bum bum paticumbum prugurundum", de sua autoria em parceria com Beto Sem Braço, deu o primeiro lugar do Grupo 1A ao Império Serrano no carnaval de 1982 e, com esse estrondoso sucesso, Aluizio Machado levou também o estandarte de ouro. O próprio compositor declarou em depoimento ao Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro em 2001, de onde veio o nome do samba que o consagrou na história do carnaval: "Esse termo foi usado pelo Ismael Silva para explicar a sonoridade da batucada. O Sérgio
Cabral teve a sensibilidade de registrá-lo no livro ‘As Escolas de Samba’ e a carnavalesca Rosa Magalhães ousou batizar o nome do enredo com ele. O nome original do samba era ‘Candelária, Praça XV e Marquês de Sapucaí’. Não era um samba fácil, a onomatopéia era complicada e, ainda assim, fez o maior sucesso".
No ano de 1984, ao lado de Wilson Moreira, Nei Lopes, Cláudio Jorge e Sonia Ferreira, participou do projeto "Roda de Samba", no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, e pouco depois, teve composições gravadas por Dominguinhos do Estácio e Alcione no LP "Fruto e Raiz". Já no ano de 1996, em parceria com Beto Pernada, Lula, Índio do Império e Arlindo Cruz, compôs o samba-enredo "E verás que um filho teu não foge à luta", com o qual a Império Serrano desfilou naquele ano e ganhou o prêmio "Estandarte de Ouro", do Jornal O Globo, na categoria "Melhor Samba-Enredo". Ainda classificou a escola em 6º lugar do Grupo Especial.
Em 2001, participou do projeto "Meninos do Rio", série de três shows que reuniu no palco do Centro Cultural Banco do Brasil 15 sambistas, dentre eles: Nei Lopes, Nelson Sargento, Baianinho, Niltinho Tristeza, Casquinha, Monarco, Elton Medeiros, Luiz Grande, Jurandir da Mangueira e uma única mulher, Dona Ivone Lara. O projeto foi registrado em disco pela gravadora “Carioca Discos” e lançado nesse mesmo ano. Em 2002, a Escola Império Serrano classificou-se em 9º lugar no Grupo Especial com um samba-enredo de sua autoria "Aclamação e coroação do Imperador da Pedra do Reino: Ariano Suassuna", em parceria com Carlos Senna, Elmo Caetano, Lula e Maurição. Nesse mesmo ano, Marquinho Santana (ex- Marquinhos Sathã) incluiu no disco "Nosso Show" uma composição de sua autoria: "Mar de Carinhos", em parceria com Arlindo Cruz. No ano de 2003, foi um dos convidados de Guaracy 7 Cordas na Roda de Samba, no Clube Copa Leme, em bairro do Leme, no Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano, em parceria com Maurição, Elmo Caetano, Carlos Senna e Arlindo Cruz, compôs o samba-enredo "E onde houver trevas... Que se faça a luz!" com o qual o Império Serrano desfilou no carnaval. Ainda em 2003, sua composição "Sambista de Fato", interpretada por Débora Cruz (filha do compositor Acyr Marques e sobrinha de Arlindo Cruz), foi classificada em 6º lugar no "Festival Fábrica do Samba", com a final no Maracanazinho, no Rio de Janeiro.
Seus parceiros mais constantes em composições são Arlindo Cruz, Nei Lopes, Beto Sem Braço, Walter Rosa e Serginho Meriti. Aluizio Machado acumulou em sua carreira de compositor quatro prêmios "Estandarte de Ouro" na categoria de "Melhor Samba-Enredo" e continua produzindo de forma incansável, movido pela paixão por sua Império Serrano.

Beth Carvalho
Por Nilson Tassi
Beth Carvalho nasceu na Cidade Maravilhosa no dia 5 de maio de 1946. Os pais moravam no Catete, mas a menina nasceu em uma maternidade na Gamboa, motivo de brincadeiras do pai: “Você nasceu na Gamboa”, dizia, e a menina repetia para todos que perguntassem onde havia nascido ainda sem saber que seria uma sambista e que a Gamboa é o berço do samba no Rio de Janeiro. O que foi uma feliz coincidência.
Teve uma infância com tudo o que tinha direito, criada no bairro da Urca, com praia, natação e muitas outras atividades, mas a que mereceu mais dedicação da artista foi o balé. Desde pequena adorava carnaval e logo escolheu a Mangueira como a escola do coração. Foi amor à primeira vista, sem explicação. Na adolescência foi seduzida pelo banquinho, o violão e a bossa nova, ao ouvir um disco de João Gilberto trazido pelo pai. O Teatro Municipal perdeu sua futura bailarina.
Com a família já morando em Ipanema, a menina da Zona Sul não perdia a oportunidade de ir para a casa da avó na Tijuca, e aí frequentar todos os bailes pré-carnavalescos possíveis na companhia dos primos. Tendo ouvido a nata da música brasileira em casa, Beth teve excelente cultura musical, que mesclada com a chegada da bossa nova, o seu violão bem tocado e o carnaval que já estava enraizado na sambista, resultou numa mistura consistente e muito interessante, e que são a base da formação da artista.
Frequentava as rodas de bossa nova e impressionava ao tocar violão, sabia tanto o repertório da Zona Sul, quanto os sambas do morro. Ao ser levada por um amigo à casa de Flavio Cavalcanti, encantou, e logo já estaria participando do seu programa, um dos de maior audiência na época. Foi convidada a gravar pelos diretores da RCA. Gravou o primeiro disco em 1965, um compacto simples da música “Por quem morrer de amor” de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli e depois participou dos espetáculos “A hora e a vez do samba”, com Zé Kéti e Nelson Cavaquinho.
Frequentando o Zicartola, o Teatro Opinião e a Mangueira, onde se sentia em casa, convivendo com as pessoas do samba, bem mais velhas que ela, Beth conhece Edmundo Souto, arquiteto, que também vivia no mundo do samba, namoram e se tornam noivos. Ele compõe “Andança” com Paulinho Tapajós e Danilo Caymmi que ela defende, acompanhada pelos Golden Boys, no Festival Internacional da Canção da TV Globo. A partir daí sua carreira decola.
Convivendo com a nata da música brasileira, como Tom Jobim, Chico Buarque, Vinícius de Moraes, Roberto Menescal, Milton Nascimento, Paulo Cesar Pinheiro, etc. Beth Carvalho já estava na gravadora Odeon quando gravou seu primeiro LP em 1969. Beth resolveu sair e assinou com a Tapecar, gravando em 1970 o disco “Canto por um novo dia”, um nome que revelava muito do momento do país, vivendo a repressão do AI-5, e deixando claro as suas convicções políticas, herdadas do pai, que era de esquerda. Para Beth, o samba sempre teve a conotação de protesto, e jamais aceitaria o rótulo de direita que o regime queria impor. Nesse disco ela grava entre outros, Mario Lago, Martinho da Vila e o sambista com quem mais se identificava: Nelson Cavaquinho.
Beth Carvalho sempre prestou reverência aos compositores, por isso é por eles chamada de “Madrinha do samba” ou “Enamorada do Samba”, samba que Martinho da Vila dedicou a ela. Graças a ela, vários sambistas de qualidade puderam sair do ostracismo, como Cartola e Nelson Cavaquinho.
Nos anos 70, Beth era uma das maiores vendedoras de disco do país, e fazia parte, juntamente com Alcione e Clara Nunes, do que os críticos chamavam de “ABC do samba”. Beth não só gravava sambas da sua Mangueira, mas também da Portela, Salgueiro e do bloco Cacique de Ramos. De lá vieram vários compositores gravados por ela, tais como: Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Jorge Aragão, Arlindo Cruz e o grupo Fundo de Quintal.
Ao visitar o Cacique pela primeira vez, se apaixonou pelo ritmo diferente que faziam, o swing, sem perder a raiz do samba, e o uso do banjo, do repique de mão e do tantã, tudo à sombra de uma tamarineira. Segundo ela, lá nasceu o pagode. No ano de 1978 fez um sucesso estrondoso com o disco “Pé no chão”, gravado com a turma do Cacique, estourando praticamente todas as faixas do LP, e principalmente o maior sucesso, “Vou festejar”. Depois emplacou mais um grande sucesso: “Coisinha do Pai”.
Em 1981 nasce sua filha Luana, que hoje é atriz, e logo depois, em 1984, foi enredo da escola de samba Unidos do Cabuçu. Em 1989, grava o belíssimo samba “Saudades da Guanabara” de Moacyr Luz, Aldyr Blanc e Paulo Cesar Pinheiro, e traz mais uma vez em seu samba a conscientização política. Ao comemorar 25 anos de carreira, em 1990, grava o LP “Pérolas”, cantando clássicos de Adoniran, Pixinguinha, Cartola e outros. Continuou levando o clima das rodas de samba Brasil afora com o projeto “Pagode de Mesa” com cenários de
Elifas Andreato, recriando atmosfera dos pagodes, junto com João Nogueira, Luiz Carlos da Vila, Walter Alfaiate, Ivone Lara e outros.
Seu talento não ficou só no Brasil, a cantora se apresentou no Carnegie Hall, em Nova Iorque, no Japão foi considerada um fenômeno da música brasileira, e sua carreira faz parte do currículo da Faculdade de Música de Kyoto. Participou várias vezes do Festival de Montreux, e cantou em Cuba, sendo recebida por Fidel Castro, uma grande honra para ela, que era fã da Revolução Cubana.
Em 2000, Beth volta a gravar Nelson Cavaquinho com o álbum: “Beth canta Nelson”. Sua trajetória na música popular brasileira, especialmente no samba, é da maior importância. Não fosse por sua entrega e paixão, vários sambistas, hoje considerados de primeiro time, talvez não tivessem sua primeira oportunidade. Beth sempre foi engajada politicamente, e ajudou a levantar várias bandeiras, como o Movimento dos Metalúrgicos de 1978, as Diretas Já em 1984 e as Campanhas de Leonel Brizola.
Seus últimos discos gravados foram: “Beth e Amigos” em 2005 e “Rodas de samba com Beth Carvalho” em 2006. Entretanto a cantora encontra-se em plena atividade seja em shows, nos desfiles de sua Mangueira e na preparação de novos discos. Sua voz é marca registrada no samba e ainda dará muitas contribuições para música popular brasileira.

Beto sem Braço
Por Nilson Tassi
Laudemir Casemiro nasceu no Rio de Janeiro no ano de 1940. Logo na infância, devido a uma queda de cavalo, que lhe custou o braço direito, ganharia o apelido que seria a marca de suas composições: “Beto Sem Braço”.
Beto trabalhou como feirante e foi diretor de bateria do Império Serrano. Sua carreira ganha notoriedade no início dos anos 70, quando o cantor Oswaldo Nunes, então bastante conhecido, devido a seu trabalho no Bloco Bafo da Onça, o mais popular da época, grava sua música “Ai que Vontade” (de meter a cara no mundo), que fez sucesso nacionalmente. Beto também fez parte dos poetas partideiros do Cacique de Ramos, verdadeiro celeiro de bambas do samba carioca.
Beto Sem Braço era membro da ala de compositores da Unidos de Vila Isabel, e lá ficou até 1981. Entretanto, ao ter um de seus sambas desclassificados na disputa do enredo da escola, brigou com o presidente e o vice da agremiação e, a convite de Aluísio Machado, se transferiu para o Império Serrano.
Aliás, há males que vem para o bem, pois a dupla Aluísio Machado e Beto Sem Braço, no Império, é responsável por um dos mais emblemáticos sambas de enredo da história do carnaval. Se não for um dos mais bonitos é, sem dúvida, um dos mais famosos, pela polêmica que causou e pela bandeira levantada: “Bum bum paticumbum prugurundum”. Este samba denunciava a excessiva mercantilização do carnaval e a falta de espaço para o verdadeiro sambista nas escolas, como no trecho: “Super escolas de samba S/A, super alegorias, escondendo gente bamba, que covardia...”. Ao mesmo tempo ele enaltecia as origens do carnaval, ao mencionar a Praça Onze, antigo palco dos desfiles, a Candelária e a criação dos instrumentos de percussão mais tradicionais. O Samba deu o título do carnaval de 1982 ao Império Serrano e foi interpretado na avenida por Quinzinho.
Beto, a esta altura, já era constantemente gravado pelos maiores nomes do samba, tais como: Martinho da Vila (Deixa a fumaça entrar), Beth Carvalho (Quando o povo entra na dança, Marcando bobeira, Camarão que dorme a onda leva), Almir Guineto (Lindo requebrado), só para citar alguns.
Beto Sem Braço era parceiro de grandes compositores. Além de Aluísio Machado, fez músicas com Serginho Meriti, Arlindo Cruz, Sombrinha, Almir Guineto, Martinho da Vila e Zeca Pagodinho. Todos esses compositores eram seus fãs.
E como disse Serginho Meriti “estar ao lado do Beto era estar ao lado dos amigos, pois todos o rodeavam e procuravam por ele”. Para Zeca Pagodinho, um grande parceiro seu da década de 80 e um dos que mais gravou seus sucessos, Beto tinha a capacidade de versar com extrema facilidade e de uma maneira profunda, e sempre o relembra com grande saudade.
Na verdade, o poeta, embora uma pessoa doce, tinha pavio curto e perdia a paciência com frequência. Não são raras as histórias contadas por amigos a respeito de alguma confusão com Beto. Mas nada que manchasse o seu talento e o dom que possuía para fazer sambas.
Beto Sem Braço faleceu em 15 de abril de 1993, vítima de tuberculose, mas continua sendo gravado até hoje. Em 2002, a sua turma do samba se reuniu no Teatro João Caetano no Rio de Janeiro para realizar um show em sua homenagem, que foi apresentado como especial pela TVE. Um justo tributo prestado a esse grande nome do samba.

Bezerra da Silva
Por Norton Ribeiro
José Bezerra da Silva nasceu em Recife (PE), a 9 de março de 1927. Veio para o Rio de Janeiro aos 15 anos, fugindo da fome, apenas com a roupa do corpo, e passou a trabalhar na construção civil como pintor de paredes. Em 1949 foi morar no morro do Cantagalo, zona sul do Rio.
Muito influenciado por Jackson do Pandeiro começou, em 1950, sua carreira como ritmista na Rádio Clube — tocava tamborim, surdo e instrumentos de percussão em geral. Suas primeiras composições, "O Preguiçoso" e "Meu Veneno", foram gravadas por Jackson, e seu primeiro disco —um compacto— foi gravado, em 1969, pela Copacabana. Fato um tanto quanto incomum no mudo dos sambistas que vieram da pobreza, devido à falta de oportunidades, Bezerra da Silva estudou violão clássico por oito anos e passou outros oito anos tocando na orquestra da TV Globo. É um dos poucos partideiros que lê música.
Dono de uma consciência política e bem informado, fora perguntado certa vez se achava que brancos não sabiam fazer samba, respondeu: "Isso é uma mentira, uma discriminação boba. Tudo depende da veia poética do sujeito. Você já imaginou se Deus deixasse eu fazer eu do jeito que quero, com a cuca que tenho? Eu seria verde, todo bonito. Ninguém ia ser igual a mim. Eu seria um sucesso, o cabelo de ouro, ia ser tudo comigo. Mas me fizeram um crioulo esquisito. Essa história de que branco não faz samba é mentira. E também tem crioulo que não faz samba. Artista nasce em qualquer lugar".
Apesar de ser um campeão de vendas com mais de três milhões de cópias em toda sua carreira, Bezerra da Silva é, ainda hoje, excluído das emissoras de rádio e televisão de grande porte. Representa, no entanto, o rosto de uma parcela do povo brasileiro que a mídia insiste em esconder. Já virou, inclusive, tese de doutorado e livro escrito por Letícia Viana —"Bezerra da Silva: Produto do Morro", publicado pela Jorge Zahar editora, 1998.
Como compositor Bezerra da Silva se voltou contra as injustiças sociais, em favor da população marginalizada, através de uma ótica bem humorada, mas também áspera. Na verdade, Bezerra da Silva era mais intérprete do que compositor, porém ficou muito conhecido como o sambista da malandragem, o partideiro nota dez, já que suas músicas tinham a característica do samba de Partido Alto, privilegiando a batida e a percussão, além de uma levada com a palma da mão. Quanto à malandragem, Bezerra cantava nas letras a
vida cheia de altos e baixos do malandro que num momento podia ser o dono do pedaço e no outro dia poderia estar morando num barraco todo improvisado, sem o menor conforto, como cantou em um de seus sambas famosos: “O ladrão foi lá em casa quase morreu do coração... eu não tenho nada de luxo que possa agradar ao ladrão. É só uma cadeira quebrada, um jornal que é meu colchão, eu tenho uma panela de barro, dois tijolos como fogão...”
A vida difícil, os problemas com a polícia e o jeito que o malandro dava para resolver qualquer tipo de problema, eram temas recorrentes em seus sambas, tudo cantado com o bom humor inerente ao carioca. Malandro mesmo era aquele que se diferenciava do otário, seu oposto, e precisava dos infortúnios do dia-a-dia para por em prática suas soluções divertidas e criativas.
O tema da Malandragem foi bem estudado por Claudia Matos no livro “Acertei no Milhar. Samba e malandragem no tempo de Getúlio”. Segundo ela, o período áureo desta figura no cenário do Rio de Janeiro, ocorreu nas décadas de 1920 e 1930. No entanto, o malandro deste período caracterizava-se pela aversão ao trabalho, pela exploração das mulheres, por viver no mundo do samba, pela esperteza em cima dos manés – apesar de muitas vezes se dar mal com a autoridade entrando em cana - e resolver seus desafetos sem levar desaforo pra casa. A melodia do malandro, então, flutuava entre a orgia e a vida boêmia. Assim, embora Bezerra da Silva tenha vivido e consolidado sua carreira algumas décadas depois deste período, era esse o tipo de malandragem que apresentava em suas gravações.
Em 1995, como uma tacada de mestre no bilhar, Bezerra e seus parceiros de malandragem Dicró e Moreira da Silva, lançaram o álbum “Os 3 Malandros in Concert”, parodiando os três tenores Luciano Pavarotti, José Carreras e Plácido Domingo. As músicas do disco são garantias de boas risadas, além de demonstrar a criatividade inerente aos nossos pagodeiros nota dez. Segundo eles mesmos: “Não tem Pavarotti, nem José Carreras, nem Plácido Domingo. Eu sou mais o Bezerra, Moreira da Silva e Dicró rei do bingo”. Um viva à nossa cultura; viva à criação!
Nosso malandro veio a falecer no dia 17/01/2005, aos 77 anos de idade e muito samba. Engraçado que Bezerra nos deixou no dia em que combinaram os números 171, que no código penal representa estelionato e para a malandragem representa o vacilão, aquele que “dá volta nos outros”, personagem de muitas canções do mestre.

Candeia
Por Walmir Pimentel
Nascido em 17 de agosto de 1935, Candeia foi um dos maiores compositores de todos os tempos, sobretudo por sua autenticidade e defesa da cultura negra mais legítima. Assim, ao falecer em 1978, acabou recebendo, entre múltiplas homenagens, o trecho do emocionante samba abaixo, assinado por Nei Lopes e Wilson Moreira. “A emoção foi geral, Faltava pouco para o Carnaval. No meio de toda euforia, Nossa Escola chorava. Obedecendo a harmonia, A batucada calava, Instrumentos em funeral. Enrolavam a bandeira do samba, Era Silêncio de um Bamba. Foi poeta e foi guerreiro. Foi um Negro verdadeiro, Assentado em seu trono de Rei, Fez do samba a sua lei. Agora está na eternidade, Na avenida da saudade, Esperando a comissão do Astral, Pro julgamento final.” O pai, Antônio Candeia, era tipógrafo, flautista e integrante de comissões de frente de escolas de samba. Quando criança, na data de seu aniversário, o pai promovia uma roda de samba para os amigos adultos, regada à cachaça e a feijão. Desde os seis anos de idade, frequentava as rodas de samba e choro, organizadas por seu pai, sambista e boêmio, amigo de Paulo da Portela, João da Gente, Claudionor Cruz e Zé da Zilda. Desta forma, aprendeu a tocar violão e cavaquinho, passando a participar das reuniões de sambistas na casa de Dona Ester, em Oswaldo Cruz. Nesse ambiente, frequentou terreiros de candomblé, rodas de capoeira e a Escola de Samba Vai Como Pode, que deu origem à Portela. Começou a compor aos 13 anos e, em 1953 cria “Seis datas magnas", em parceria com Altair Marinho. Com esse samba a escola foi campeã no carnaval daquele ano, obtendo nota máxima em todos os quesitos. Em 1957, aos 22 anos, entrou para a Polícia Civil, assumindo o cargo de Investigador. Policial severo, vivia prendendo prostitutas e malandros. Certa vez, em uma sinuca, chegou a pedir documentos a certo rapaz que, mais tarde, seria conhecido como Paulinho da Viola. No dia 13 de dezembro de 1965, após abordar um caminhão e ao esvaziar o revólver nas rodas do veículo, foi surpreendido pelo motorista que lhe desfechou cinco tiros. Um deles alojou-se na medula óssea. Logo depois, já paralítico, foi obrigado a afastar-se da profissão e passou a dedicar-se, exclusivamente, à carreira artística. Aí aflora definitivamente o gênio,
o vulcão preso na truculência do policial dá lugar à doçura do poeta que, põe pra fora as mais lindas pérolas de nossa música. Em 1975 faz Testamento de Partideiro, onde diz: “... Quem rezar por mim que o faça sambando...”. Em 1978, em parceria com Isnard, lançou o livro "Escola de Samba - A Árvore que Esqueceu a Raiz", pela Editora Lidador/Seec. De acordo com o crítico Mauro Ferreira: "Tal qual Zumbi dos Palmares, Candeia era o Zumbi dos terreiros cariocas, desbravando caminhos e lutou para manter erguida a bandeira dos partidos mais altos e do orgulho negro.” Irritado com a tendência mercantilizada que o samba começava a tomar, funda o Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo, em 1975. Até hoje, essa é o maior símbolo de resistência ao samba mais puro e de verdade, localizado em Fazenda Botafogo, subúrbio do Rio de Janeiro.

Cartola
Por Norton Ribeiro
“Cartola não existiu, foi um sonho que a gente teve”. Disse Nelson Sargento, um dos parceiros do mestre, pouco depois de sua morte em 1980 tentando, talvez, nos conduzir a uma reflexão sobre as belezas criadas por ele que tocaram os sentidos de tantos e ainda continuam nos emocionando. No entanto, um sonho se desfaz, podemos esquecer, não é empírico e Cartola existiu sim, graças a uma providência divina, quem sabe, para engrandecer a poesia e a arte das musas. Nascido na Rua das Laranjeiras em 1908, Cartola foi batizado como Angenor de Oliveira devido ao erro do escrivão, pois seu pai queria mesmo era Agenor. Chegou a Mangueira aos 11 anos e ainda bem jovem, ajudou a fundar a Escola de Samba verde e rosa em 1929, cores que ele mesmo havia escolhido para a Estação Primeira de Mangueira. Também foi de sua autoria o samba “Chega de Demanda” com o qual a escola desfilou pela primeira vez, levando o mestre a ficar cada vez mais conhecido no morro da Mangueira. A partir daí, na década de 30, Cartola começa a ter novos parceiros de composição, como Noel Rosa que, segundo ele mesmo, encontrava paz em seu barraco para compor. Foi descoberto pelo “Rei da Voz” Francisco Alves, grande intérprete da época, que se interessou pelos seus sambas. Entretanto, Francisco Alves vinha com intenção de comprar os sambas, prática comum naquele período, e ainda entrava de parceiro na criação alheia. Cartola conseguia, então, discreto sucesso nesta década, quando também fora gravado por Carmem Miranda, além de ter participado das gravações feitas pelo maestro Leopold Stokowsky, em 1942, a bordo do navio Uruguai, ancorado na Praça Mauá. O maestro queria conhecer a música brasileira e, conversando com Villa-Lobos, outro grande maestro brasileiro, conseguiu um grupo de músicos e compositores para realizar sua experiência, do qual também participaram Pixinguinha, Donga, João da Baiana, Jararaca, Ratinho, dentre outros. No final da década de 1930, Cartola contraiu meningite, debilitando sua saúde e impedindo-lhe de continuar na profissão de pedreiro, da qual, aliás, conseguiu o apelido que era conhecido por usar um chapéu-côco, como ele mesmo gostava de dizer. Em meados dos anos 40 criou o programa de rádio A Voz do Morro, com Paulo da Portela e Heitor dos Prazeres, apresentando quase sempre sambas inéditos, mas, pouco depois, Cartola, poeta de fina sensibilidade, que lia Castro Alves para se inspirar, desapareceu de Mangueira. Muitos acreditavam que havia morrido, porém, fora redescoberto por Sérgio Porto (escritor e cronista que utilizava o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta) lavando carros em uma garagem em Ipanema nos anos 50. Daí em diante, começou a retomar a carreira apresentando-se em programas de rádio e compondo cada vez mais. Quando voltou a Mangueira, conheceu Dona Zica, aquela que se tornou sua grande paixão com a qual viveu até o fim. Pouco antes, além dos problemas amorosos, Cartola ainda desenvolveu um problema no nariz conhecido por rosácea (doença que dava um aspecto de couve-flor) sendo somente corrigido com cirurgia em 1961. Contudo, o teimoso não seguiu direito as recomendações médicas no período pós-operatório e ficou com o nariz de duas cores. Em 1964, com Dona Zica comandando os quitutes e Cartola a música, a dupla fundou, na Rua da Carioca n. 53, o bar Zicartola, que se tornou o elo entre os compositores populares e os intelectuais; entre o samba, considerado até então ultrapassado, e a nova geração que fundava o conceito de MPB. Ah, o Zicartola! Um ambiente de extrema simplicidade, mas que se tornou um paradigma para a música brasileira. La surgiu Paulinho da Viola e era frequentado por Zé Kéti, Nelson Cavaquinho, Nelson Sargento, além de estudantes e intelectuais como Sérgio Cabral e Vinícius de Morais. Contudo, o bar teve vida curta. Cartola e Dona Zica, despreparados para tocar um negócio desses saíram com menos dinheiro do que entraram um ano depois. Apesar de já ser bem conhecido no meio e a cada semana mostrava ao público meia dúzia de obras-primas, fosse no Zicartola ou no Teatro Opinião, nosso mestre só conseguiu gravar seu primeiro disco (LP) em 1974, ajudado pela gravadora de Marcus Pereira, um publicitário apaixonado pela música brasileira. O artista tinha 66 anos e seu álbum de estreia continha, e ainda contém, pérolas como: “Alvorada”, “Tive Sim”, “Festa da Vinda” e outras. Com o sucesso absoluto, o segundo LP veio em 1976 trazendo a clássica “As Rosas não Falam“ e uma bela releitura de “Preciso me Encontrar”, de Candeia. A vida vinha melhorando. Cartola tinha bons discos, grandes clássicos da música, seu barraco em Mangueira havia sido promovido a casa na Rua Visconde de Niterói, antes do Buraco Quente, mas o sucesso teve um preço. Cartola não tinha mais privacidade, não tinha mais um cantinho para compor, sua casa estava sempre cheia, “Tive que terminar Autonomia de madrugada, quando o morro dormia e o movimento dos carros era menor”, confessou ele a seus biógrafos Marília Barboza e Arthur de Oliveira Filho, no livro “Cartola, os tempos idos”. MEC, Funarte, 1983, RJ. A solução foi se mudar para Jacarepaguá, onde comemorou seus 70 anos. A saúde do mestre, porém, não ia muito bem. O ano de 1980 foi difícil e o poeta teve várias internações, até que no dia 30 de novembro veio a falecer. Cartola, entretanto, continua entre nós através de seus sambas e sua poesia e, mesmo depois de mais de trinta anos após sua morte, continua sendo emblemático para a música, numa intensa atualidade tornando-se a inspiração para o que se possa fazer de belo.

Clara Nunes
Por Walmir Pimentel
Clara Francisca Gonçalves Pinheiro, a Clara Nunes, nascida em Paraopeba (MG) a 12 de agosto de 1943, uma lenda, um mito de nosso samba. Dona de uma voz e uma força, somente comparada a Elizete Cardoso ou Elza Soares, Clara cantava e encantava em todo canto onde desfilava seu talento.
“...Um dia a morena enfeitada de rosas e rendas, Abriu seu de moça e pediu pra dança. A noite emprestou as estrelas bordadas de prata, E as águas de Amaralina eram gotas de luar sorriso. Era um peito só cheio de promessa era só, Era um peito só cheio de promessa era só. Quem foi que mandou o seu amor se fazer de canoeiro, O vento que rola nas palmas arrasta o veleiro, E leva pro meio das águas de Iemanjá. E o mestre valente vagueia olhando pra areia sem poder chegar...” (Romildo e Toninho Nascimento)
Clara, menina Guerreira, símbolo da força, douçura e beleza. Filha de Ogún com Iansã, feita nas águas sagradas de Oxúm, eis o mundo aos seus pés.
Anda, Abre o pano do passado, sabiá e, tira a preta desse cerrado. Ponha nosso rei Congo no Congado... Cante os versos na poeira levantada pela boiada de Minas, onde a escravidão escorreu, dando cor ao ouro do tambor.
Clarinha, a música dos tambores de Minas, misturado aos batuques sagrados da umbanda te fez a “Tal mineira”, que ecoou pelos destinos do trenzinho caipira e das vendas do interior. Como cachaça de alta qualidade, viu boi sendo carreado por boaiadeiro e canto seu povo como ninguém. Salve Clara! Salve o rei Nagô que, sem nada cobrar, nos deu de presente essa joia rara e eterna. O seu pai foi o Grande Mané Serrador, violeiro e cantador de folias-de-reis nas bandas de Minas Gerais. Órfã desde pequena, aos 16 anos, foi para Belo Horizonte, onde conseguiu empregar-se como operária numa fábrica de tecidos. Como uma sabiá, a menina tecelã que frequentava s missas, as ladainhas e, já em 1960, sairia vencedora do Concurso a Voz de Ouro ABC, na etapa mineira e, obtem a terceira colocação na final de SP.
Contratada pela Rádio Inconfidência, de Belo Horizonte, durante um ano e meio teve um programa exclusivo na TV Itacolomy. Nessa mesma época, cantava em boates e clubes, tendo sido escolhida, por três vezes, a melhor cantora do ano. Em 1965 foi para o Rio de Janeiro e passou a apresentar-se na TV Continental, no programa de José Messias. Ainda nesse ano, após teste, foi contratada pela Odeon, que, em 1966, lançou seu primeiro LP, A voz adorável de Clara Nunes, em que interpreta boleros e sambas-canções. Em 1968, gravou Você passa e eu acho graça, que foi seu primeiro sucesso e marcou sua definição pelo samba. Casou-se em 1975 com Paulo César Pinheiro, um dos maiores compositores brasileiros e, aproximou-se do grande João Nogueira, por amor à Portela e ao autêntico samba. No mesmo ano lançou “Claridade”, seu disco de maior sucesso. Outro grande sucesso veio em 1976, com o disco “Canto das três raças”. Em 1977 lançou o disco “As forças da natureza”, disco mais dedicado ao samba e ao partido-alto. Em 1978, lançou o disco “Guerreira”, interpretando outros ritmos brasileiros. Em 1979 lançou o disco “Esperança”. No ano seguinte veio “Brasil mestiço”, que incluiu o sucesso, “Morena de Angola”, composto por Chico Buarque especialmente para ela. Clara faleceu aos 39 anos, após agonia de 28 dias de internação, decorrida de um choque anafilático após uma cirurgia. Todo o desfecho ocorreu na Clínica são Vicente de Paula, no Rio de Janeiro a dois de abril de 1983, um episódio recheado de suspeitas de erro médico, misticismo, e segredos sagrados do mundo dos orixás (Clara era seguidora fiel e defensora das tradições religiosas africanas). Seu velório reuniu mais de 50 mil pessoas na quadra da Portela, sua escola de coração. O corpo foi levado em cortejo até o cemitério São João Batista, onde fora sepultada, numa tarde de profunda tristeza para música brasileira. Clara Nunes foi o Brasil inteiro em sua voz, em sua força, no carisma e num sorriso de dar inveja a Iansã, sua mãe de cabeça e protetora no Orúm. Em sua homenagem, a Rua em Oswaldo Cruz onde fica a sede da Portela recebeu seu nome. Foi a primeira cantora da sua época a vender mais de 4 milhões de LPs, sendo detentora de 18 DISCOS DE OURO.

Clementina de Jesus
Por Walmir Pimentel
Nascida a 07 de fevereiro de 1901, Clementina vem de uma família direta de escravos que trabalham nos cafezais do Vale do Paraíba e, traz em sua voz, tons e melodias, o canto das senzalas, da ancestralidade e da beleza folclórica do Jongo, dos pontos, dos cacuriás, dos quilombos da vida.
A família mudou-se para o bairro de Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro e, ainda menina, aos 12 anos, desfilava no Bloco Moreninhas das Campinas. Três anos depois, já cantava no coro de uma das muitas igrejas do bairro de Oswaldo Cruz. Por essa época, frequentava as rodas de samba na casa de Dona Maria Nenê. Mais tarde, foi para o Grêmio Recreativo e Escola de Samba Portela e lá a árvore deu frutos iniciais.
A vida de Clementina de Jesus tinha tudo para ser igual a de milhões de pobres brasileiros se não fossem a sua insistência em cantar, a sua voz e o destino. Ainda menina, costumava acompanhar a mãe, uma lavadeira que gostava de cantar corimas, jongos, lundus, incelenças e modas, enquanto trabalhava. Foi provavelmente nesta época que aprendeu os cantos de escravos que, anos mais tarde, fariam a sua fama.
Com apenas dez anos, foi morar com a família em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Um vizinho, que sempre escutava a menina Clementina de Jesus cantando dentro de casa, ofereceu para a garota o papel de solista em procissões e festas religiosas. Após a morte do pai, a situação financeira da família ficou muito complicada e Clementina de Jesus não teve alternativa a não ser trabalhar como empregada doméstica, lavadeira e passadeira. Durante mais de 20 anos, esta foi a atividade que a sustentou.
Pouco tempo antes de morrer, em um depoimento, Clementina de Jesus disse que todos os integrantes da casa onde trabalhou como empregada doméstica gostavam de ouvi-la cantar, com exceção da proprietária, que dizia que a sua voz era irritante, por parecer um miado de gato. No final dos anos 20, passou a frequentar blocos de Carnaval que, depois, seriam transformados em escolas de samba. Depois de dois casamentos, um deles com Albino Correia da Silva, o Pé Grande, um torcedor fanático da escola de samba da
Mangueira, o destino bateu à porta de Clementina de Jesus e a empregada doméstica deu lugar a uma cantora que marcou época na música popular brasileira.
Seu canto rouco e quase falado, fora dos padrões estéticos, conquistou a crítica, compositores, artistas e, principalmente, o povo. Um dos retratos do sincretismo brasileiro, Clementina de Jesus estabeleceu uma ponte entre o folclore dos terreiros de candomblé com a linguagem contemporânea. Finalmente, em 1964, quando já contava com 62 anos, a cantora teve a sua grande oportunidade profissional.
O compositor e produtor Hermínio Belo de Carvalho, que já tinha visto Clementina de Jesus se apresentar em bares do Rio de Janeiro, convidou-a para fazer alguns shows. No dia 7 de dezembro do mesmo ano, depois de ouvir um recital clássico (Mozart e Villa-Lobos), o público que lotava o Teatro Jovem, em Botafogo, ficou assustado ao ver entrar no palco uma cantora de voz anasalada, acompanhada por Paulinho da Viola, César Faria e Elton Medeiros.
O sucesso foi imediato, a ponto de Hermínio Belo de Carvalho criar o musical "Rosas de Ouro", que percorreu as principais capitais brasileiras. Chamada de "Tina" ou "Quelé" pelos amigos, Clementina de Jesus gravou mais de 120 músicas e participou de discos de outros artistas, como Milton Nascimento.
Ficou conhecida como a Rainha Ginga ou Quelé. A primeira homenagem foi dada devido a sua importância e grandeza na música popular, e a segunda devido à corruptela carinhosa de seu nome.
Pobre, Clementina de Jesus morreu aos 85 anos de idade, no dia 19 de julho de 1987.

Delcio Carvalho
Por Norton Ribeiro
Delcio Carvalho é filho de músico e seu pai era saxofonista da banda "Lira de Apolo". Sua carreira começou em conjuntos de baile em Campos dos Goytacazes, sua cidade natal, nos quais cantava, além de participar da orquestra de Cícero Ferreira. Em 1956, chegou ao Rio de Janeiro indo residir no Morro do Querosene, no bairro do Rio Comprido, e já por essa época participou de vários programas de calouros, entre os quais "Pescando Estrelas" e "Trem da Alegria", apresentando-se também na Rádio Guanabara. Era presença garantida em diversos clubes do Rio de Janeiro, entre eles, Tijuca Tênis Clube, Ramos Tênis Clube e Grajaú Tênis Clube, sempre como cantor de bailes.
Teve gravado em 1968 pela cantora Christiane o samba "Pingo de Felicidade". No ano seguinte, integrou o grupo “Lá Vai Samba”, junto com Caboclinho e Rubens Confete. O Conjunto chegou a se apresentar em alguns festivais como os da Rede Record e Globo, porém, não gravou nenhum disco. Em 1970, Delcio ingressou na Ala de Compositores da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense.
Em meados da década de 70, a Divina Elizeth Cardoso incluiu duas de suas composições em seu LP “Mulata Maior”, dando maior visibilidade ao sambista. As canções eram: "Serenou" e "Pra quê, afinal?", a última em parceria com Mauro Duarte. No ano de 1976, sua composição "Minha Verdade", parceria com Dona Ivone Lara, foi também gravada por Elizeth Cardoso, que voltaria a gravá-lo em 1979 com a canção "Voltar".
Gravou o primeiro LP em 1980, produzido por Luís Roberto, do conjunto Os Cariocas. Neste disco incluiu vários de seus sucessos: "Acreditar", "Alvorecer" e "Sonho Meu", sendo as três em parceria com Dona Ivone Lara, uma de suas maiores parceiras em clássicos do samba, como os citados anteriormente.
Em seu segundo LP, lançado em 1987 e produzido por Ivor Lancelloti, contou com as ilustres participações de Elizeth Cardoso, Dona Ivone Lara, o maestro Rildo Hora e o também maestro e saxofonista Paulo Moura, este último grande parceiro de Pixinguinha. Em 1996, gravou o CD "Afinal", com produção musical de Afonso Machado, integrante do conjunto Galo Preto, e participação do saxofonista Raul Mascarenhas, no qual foram incluídas as canções "Coisas da Mangueira" (c/ Cláudio Jorge), "Chorei, confesso" (c/ Dona Ivone Lara) e "Afinal", em parceria com Ivor Lancellotti.
No ano 2000 gravou "Samba do Coração" e, em 2002, teve algumas de suas composições incluídas no disco "A música de Dona Ivone Lara", um CD no qual o pianista Leandro Braga revisitou a obra de Dona Ivone Lara, do qual fazem parte os sambas "Sonho Meu", "Há música no ar" e "Acreditar".
Foi também parceiro de Noca da Portela com quem fez "Vendaval" (c/ Noca da Portela) e "Ausência" (c/ Barbosa da Silva e Noca da Portela), incluídas no disco "Noca da Portela - 51 anos de samba", lançado em 2003. Neste mesmo ano estreou o show "De samba e poesia", no Teatro Rival BR, no Rio de Janeiro, para comemorar seus 40 anos de carreira. Apresentou, com o Grupo Dobrando a Esquina, no bar Carioca da Gema, na Lapa, centro do Rio de Janeiro, show em homenagem a seu conterrâneo Wilson Batista, aquele mesmo da polêmica com Noel Rosa nos anos 30. Ainda em 2003 a cantora Vanessa da Mata incluiu num de seus shows a composição "Derramando lágrimas", feita em parceria com Alvarenga.
Continuou se apresentando no ano de 2004 fazendo vários shows, entre eles, "Samba, choro e energia" na Lona Cultural João Bosco e "Samba de panela especial - ao vivo", fechando o projeto "Cartão postal da MPB" do Teatro do Centro Cultural da Justiça Federal, no Rio de Janeiro. Em 2005 sua composição "Estava faltando você", parceria com Wilson das Neves, deu título ao CD de Nilze Carvalho.
No ano de 2006 lançou o CD "Profissão compositor", pelo Selo Olho do Tempo, no qual foram incluídas várias composições inéditas, entre as quais "Religião", com Zé Kéti; "Nova Era" e "Palavra Amiga", ambas com Dona Ivone Lara; "Vou sair daqui", com Wilson das Neves, tendo o disco sido lançado em show no Teatro Nelson Rodrigues e no Teatro Rival BR, nos quais também cantou clássicos de seu repertório, entre eles "Sonho Meu", "Acreditar", "Alvorecer".
Em 2007 lançou o pacote "Delcio - Inédito e eterno", com 40 faixas em três discos, produzido por Paulão Sete Cordas e Mariozinho Lago. Tem parcerias inéditas e gravadas com o poeta Sérgio Fonseca, Agenor de Oliveira, Alvarenga, Mário Lago Filho, Marcelo Gonçalves, Zé Kéti, Maurício Tapajós, Jorge Simas, Elton Medeiros, Noca da Portela, Carlos Cachaça, Toninho Nascimento, Nei Lopes, Ivor Lancellotti, Mauro Duarte, Adeílton Alves de Souza e Dona Ivone Lara, de quem é parceiro constante há muitos anos e compôs sambas eternos.
Tudo isto fez Delcio Carvalho ser reconhecido não só no meio do samba, mas também por outros intérpretes importantes de nossa MPB. Suas canções já foram gravadas por Maria Bethânia, Gal Costa, Nana Caymmi, Nara Leão, Clara Nunes, Marisa Gata Mansa, Elza Soares, Alcione, Beth Carvalho, Jair Rodrigues, Martinho da Vila, Maria Creuza, Originais do Samba, Elizeth Cardoso e Clementina de Jesus, entre outros, demonstrando a versatilidade de sua obra, bem como seu papel na história recente da música brasileira.

Dona Ivone Lara
Por Walmir Pimentel
“Acreditar eu não, Recomeçar jamais.
A vida foi emfrente e você simplesmente
Não viu que ficou pra trás...” Dona Ivone Lara.
Nascida em 13 de abril de 1921, filha de João da Silva Lara, mecânico de bicicletas, violonista e componente do Bloco dos Africanos e D. Emerentina, a mãe, pastora do Rancho Flor do Abacate. Aos seis anos de idade, ficou órfã de pai e mãe, sendo internada por parentes no Colégio Orsina da Fonseca, no bairro da Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro, onde permaneceu até os 17 anos. Aos 12 anos, foi presenteada pelos primos e futuros parceiros, Hélio e Fuleiro, com um pássaro "Tiê-sangue". O nome do pássaro e a expressão "Oialá-oxa", herdada da avó moçambicana, serviram de inspiração para o primeiro samba composto: "Tiê-Tiê”. Admirada por suas professoras de música no colégio, Lucília Villa-Lobos, esposa do maestro Villa-Lobos e Zaíra Oliveira, primeira esposa de Donga, foi indicada para o Orfeão dos Apinacás, da Rádio Tupi, cujo regente era Heitor Villa-Lobos. Saindo da escola, foi morar na casa de seu tio Dionísio Bento da Silva, que tocava violão de sete cordas e fazia parte de grupo de chorões que reunia Pixinguinha e Donga, entre outros.
Com o tio, aprendeu a tocar cavaquinho. Seu primo, Mestre Fuleiro, também foi um dos fundadores do Império Serrano em 1947, ano em que Dona Ivone Lara mudou-se para Madureira e começou a frequentar a Escola de Samba Prazer da Serrinha, mesma época em que começou a compor sambas para esta escola.
Casou-se, aos 25 anos, com Oscar Costa, filho de Alfredo Costa, presidente da Escola de Samba Prazer da Serrinha. Nesta época, passou a frequentar a Escola, onde aprimorou seus dotes de sambista conhecendo os amigos Aniceto, Mano Décio da Viola e Silas de Oliveira, que mais tarde seriam seus parceiros em algumas composições. Com a fundação do Império Serrano, em 1947, passou a desfilar pela verde e branco de Madureira.
Tornou-se enfermeira, formando-se logo depois em Assistente Social. Especializou-se em Terapia Ocupacional, dedicando-se a trabalhos em hospitais psiquiátricos, tendo trabalhado no Serviço Nacional de Doenças Mentais.
Em 1965 ingressou na Ala de Compositores do Império Serrano e compôs, com Silas de Oliveira e Bacalhau, o clássico "Os cinco bailes da história do Rio". A partir de 1968 passou a integrar a Ala das Baianas. Aposentou-se no hospital em 1977, passando a dedicar-se, exclusivamente à carreira artística.
Em agosto de 2002, recebeu o "Prêmio Caras de Música", na categoria "Melhor Disco de Samba", com o CD "Nasci para sonhar e cantar" e, neste mesmo ano, foi a vencedora do Prêmio Shell de MPB, tendo recebido o prêmio pelo conjunto de sua obra em grande festa do samba, no Canecão.
Dona Ivone é a voz do negro, é a síntese do samba. Tem o ritmo dos tambores do jongo e a riqueza melódica e harmônica do choro. Em seu canto intuitivo está um pouco da África e do negro americano.
No ano de 2006 a jornalista Mila Burns (esposa de Marcelo Camelo do grupo Los Hermanos) defendeu a dissertação de mestrado em antropologia social "Nasci para sonhar e cantar" no Museu Nacional/UFRJ, tendo na banca Santuza Naves, Hermano Vianna, Aparecida Vilaça e Yvone Leite, sob orientação de Gilberto Velho. Na dissertação analisou as diferentes fases da vida da compositora (da infância à terceira idade) com base em depoimentos da própria Dona Ivone Lara, sambistas, amigos e familiares.
Em 2008 prestou depoimento ao Museu da Imagem e do Som. Nesta segunda parte de seu depoimento, a primeira parte foi no ano de 1978, a cantora/compositora foi entrevistada por Adelson Alves, Hermínio Bello de Carvalho, Marília Trindade Barbosa.

Ismael Silva
Por Norton Ribeiro
Milton de Oliveira Ismael Silva é natural de Niterói, onde nasceu numa comunidade de pescadores em Jurujuba. Órfão aos três anos e passando por dificuldades econômicas, muda-se com sua mãe para o bairro do Estácio, no Rio de Janeiro. De acordo com Maria Thereza Mello Soares, no livro São Ismael do Estácio, Ismael decidiu por ele mesmo ir para a escola aos sete anos de idade, apesar da resistência de sua mãe que dizia: “- Pra que saber ler e escrever? Você nunca há de ser doutor! Sabedoria é coisa de branco, é luxo!” No entanto, a escola foi muito importante na vida de Ismael e sua sabedoria foi sendo desenvolvida ao longo do tempo, como demonstram seus sambas maravilhosos. No início dos anos 20, já era conhecido como tocador de tamborim e estava sempre nas rodas de samba, em meio à malandragem, quando compôs “Me faz Carinhos”, uma bela canção que seria reconhecida mais tarde como uma das primeiras a ter a característica do samba carioca. Este, inclusive, foi um samba vendido por Ismael para sair do aperto financeiro naquele momento, no entanto, conseguiu manter seu nome como autor. No final dos anos 20, Ismael teve a ideia de formar um “bloco de corda” para que o povo pudesse se divertir e pular o carnaval, sem perseguição da polícia. Desfiles assim já aconteciam na Rua do Ouvidor, porém era algo voltado para as elites. Em meio às duas cordas formando um retângulo, Ismael e a turma do Estácio deram início a uma tradição que, logo depois, em 1929, faria com que surgisse a primeira Escola de Samba, a Deixa Falar. Alcebíades Barcelos, o Bide, e Armando Marçal resolveram o problema da dispersão pelo bloco ao introduzir o surdo e demais instrumentos de percussão, dando mais cadência ao desfile, onde todos pudessem cantar e pular num mesmo compasso. Nessa mesma época, Ismael conheceu Francisco Alves, um dos grandes intérpretes de samba na época e conhecido também pelas suas práticas de comprar as músicas, gravá-las como autor e muitas vezes deixando fora o nome dos verdadeiros compositores em seus discos. O fato é que Chico Viola, o Rei da Voz, como era conhecido, veio para amenizar a constante dureza pela qual passava Ismael e outros sambistas, além de ser a voz de suas canções. Portanto, de 1929 até 1935, os dois formaram uma parceria intensa com Chico Alves sempre cuidando dos negócios, nem sempre a favor de Ismael. Francisco Alves também teve muitas parcerias com Noel Rosa e Nilton Bastos, grandes amigos de Ismael Silva, já que o nosso Rei da Voz sabia da qualidade dessa rapaziada boa de samba, tanto é que formou com eles o Trio Bambas do Estácio (Francisco Alves/Ismael/Nilton Bastos) sendo que depois da morte prematura de Nilton Bastos, com apenas 32 anos, o lugar foi ocupado por Noel. Na companhia de Chico Alves, Ismael frequentou a casa de intelectuais, conheceu Vinícius de Morais, de quem recebeu o apelido de São Ismael, e aproximou o samba proveniente das classes populares com a elite da época. Entretanto, em 1935, suas relações sócio-musicais com Francisco Alves foram interrompidas e Ismael caiu na boemia, passava as noites na galeria Cruzeiro, no Café Nice, quando partiu para uma temporada em Teresópolis. Segundo Maria Thereza Mello Soares, autora de sua biografia, o ano de 1935 assinala o início de sua Paixão, aqui entendida como sofrimento. Acontece que o nosso bamba do Estácio envolveu-se num ajuste de contas, mantendo a tradição da malandragem de não levar desaforo para casa. Ao tirar satisfação com um abusado que se meteu a besta com sua irmã Orestina, Ismael encarou o grandalhão Edu Motorneiro e deu-lhe dois tiros na região glútea. Apesar de não terem sido fatais, Edu foi para o hospital e Ismael para a cadeia. Em 1939 nosso poeta saiu da prisão por bom comportamento e foi morar com a irmã e os sobrinhos. Conseguiu ainda gravar alguns sambas e vivia dos míseros direitos autorais de suas músicas. Entretanto, nas rodas de conversa e samba sempre vinha à tona algum papo sobre a prisão e os infortúnios de Ismael no passado, que o deixavam muito triste fazendo com que se retirasse da cena artística. Do mesmo modo, nos anos 40 e 50 a política de “boa vizinhança” dos EUA para a América Latina era intensa, devido à Guerra e a avanço da influência comunista no continente. O governo estadunidense procurou penetrar nos países latinos, principalmente o Brasil, através da música (Jazz, Swing, Rock and Roll), do cinema e da indústria do entretenimento em geral. Os compositores brasileiros e o samba, então, passavam por um período no qual estavam “vivendo em grande dificuldade”, como escreveu Ismael em "Antonico”. Na década de 60, a música de Ismael fora deixada de lado por ser considerada ultrapassada, já que a Bossa Nova buscava o refinamento das harmonias e a Tropicália inseria o nervosismo elétrico das guitarras. Além disso, adoeceu gravemente e ficou afastado por muito tempo. Em fins da década, ainda doente, Ismael acreditava que alguém havia feito um “trabalho”, um despacho mesmo, e esse seria a causa de seus males. Passou, então, a frequentar a Igreja Messiânica do Grajaú, religião nascida no Japão, e tomou os passes magnéticos, o johrei.
Nos anos 70, nosso poeta volta e ser reconhecido como uma das figuras mais importantes para a história do samba, tornando-se uma atração universitária. É regravado por artistas de peso e Chico Buarque consegue elevar sua estima com um simples bilhete de aniversário que dizia: “Ismael, você está cansado de saber de minha admiração pelos seus sambas. Você sabe o quanto lhe devo por toda sua obra. O Sergio Cabral está lhe entregando o meu presente pelo seu aniversário. É muito menos do que você merece. Um grande abraço, de coração, Chico” 1. Junto com o bilhete recebeu um cheque que demorou a descontar só para mostrar aos amigos a assinatura do compositor de A Banda. Ismael Silva veio a falecer em 14 de março de 1978.
1 Os mais velhos nunca duvidaram que Ismael fosse um gênio... Fatos e Fotos, RJ, 20/09/1975. In; Maria Thereza Mello Soares, São Ismael do Estácio, o sambista que foi rei. Pág. 34.

Jamelão
Por Norton Ribeiro
Ele não gostava de ser chamado de “puxador de samba” e aqueles que assim o fizeram, tiveram que amargar uma dura resposta, pois Jamelão era conhecido também pelo seu humor áspero e nem mesmo as fãs ele poupava. Certa vez uma delas perguntou-lhe: "Seu Jamelão, posso lhe dar um beijo na bochecha?" respondeu: "Não! Não sei onde você andou com essa boca!" Entretanto, tinha toda razão quanto à alcunha de puxador. Foi um dos maiores intérpretes que o Brasil conheceu, principalmente de sambas enredo, e era assim que gostava de ser lembrado. Jamelão, ou melhor, José Bispo Clementino dos Santos, nasceu em São Cristóvão, na Zona Norte do Rio, bairro próximo ao morro da Mangueira, no dia 12 maio de 1913, e veio a falecer por volta das 4 horas da madrugada de um sábado, 14 de junho de 2008, aos 95 anos.
Bem, sua vida na música começou aos 15 anos quando era cavaquinhista e foi levado para a Mangueira por um amigo. Começou a se enturmar e participar dos desfiles da escola tocando tamborim e paquerando as meninas na avenida. Não tinha pretensões artísticas, mas já demonstrava sua potente voz e o gosto pela música nas rodas de samba da Praça Onze. Era lá que, segundo Jamelão, chagava um pessoal “da pesada” que fazia samba de roda e o “samba duro” o qual tinha como característica as pernadas que quase sempre acabava com a chegada da polícia.
Em seguida, passou a cantar em gafieiras e participou do programa de calouros em 1945 comandado por Ary Barroso, interpretando “Ai, que saudade da Amélia”, música de Ataulfo Alves e Mario Lago. Porém, não obteve sucesso no programa sendo gongado por esticar muito uma nota no final, mas seu reconhecimento pela bela voz potente ainda estava por vir.
A partir daí conseguiu trabalhos nas rádios e assinou um contrato de um ano com a gravadora Continental, depois passou para a rádio Tupi. Em 1949 dá início a sua carreira de intéprete da Estação Primeira da Mangueira, função que o consagraria na história do carnaval carioca e na qual ficou por mais de 50 anos!
Em 1952, já gozando de certa fama, Jamelão viajou para a França como "crooner" da Orquestra Tabajara do maestro Severino Araújo, para cantar em uma festa promovida por Assis Chateaubriand e pelo estilista francês Jacques Fath, no castelo de Coberville, nos
arredores de Paris. Nessa mesma época, protagonizou o memorável banho na big band americana de Tommy Dorsey, em um duelo ocorrido no auditório da antiga rádio Tupy. A repercussão foi internacional e Jamelão, junto com a orquestra de Severino Araújo, conseguiu várias apresentações pela Europa.
Em 1954, emplacou as músicas: "Leviana" (Zé Kéti e Armando Reis), "Folha Morta" (Ari Barroso) e "Deixa de Moda" (Padeirinho). Dois anos depois, ele fez muito sucesso com a gravação da música "Exaltação à Mangueira" (Enéias Brito e Aluísio Augusto da Costa), feita para o desfile daquele ano. Em 1959, ele gravou "Ela Me Disse Assim" de Lupicínio Rodrigues com enorme sucesso.
Em fins da década de sessenta, Jamelão entrou para a ala de compositores da Mangueira. Em 1972, gravou o LP "Jamelão Interpreta Lupicínio Rodrigues", totalmente dedicado à obra do compositor gaúcho. Em 1979, ele lançou o LP "Jamelão", no qual há faixas repletas de desgraças de amor. Em 1987, volta a gravar outro LP dedicado a Lupicínio Rodrigues intitulado "Recantando Mágoas - A Dor e Eu", sedimentando sua carreira de cantor de amores sofridos. Segundo críticos, essa faceta de Jamelão o coloca como um dos maiores cantores de músicas de "dor de cotovelo", enquanto para o próprio Jamelão, ele as considera românticas.
No carnaval de 1990, Jamelão chegou a anunciar o fim da sua carreira de intérprete de escola de samba. Havia chegado ao sambódromo com febre, mas foi até o fim no desfile, para delírio do público. No carnaval de 98, Jamelão conquistou seu sexto estandarte de ouro como intérprete de samba enredo no carnaval carioca e, em 1999, foi eleito o intérprete do século do carnaval carioca. Embora sempre carrancudo, mas com tanta longevidade à frente dos desfiles da Mangueira, sua voz ainda ecoa pela Marquês de Sapucaí, e para muitos que nasceram na segunda metade do século XX, foi difícil entender o carnaval quando o maior dos intérpretes partiu.

João Nogueira
Por Norton Ribeiro
Dono de uma voz marcante, demonstrando firmeza no timbre e capaz de sofisticar as melodias mais simples com pausas e alterações, João Nogueira nasceu em 1941, no Méier, Zona Norte do Rio de Janeiro. Sempre frequentou os tradicionais botequins cariocas, onde obteve inspiração para cantar em seus sambas “as coisas simples das gentes”. Era filho de músico profissional e seu pai, o "Seu" João Nogueira, foi violonista e chegou a tocar com Jacob do Bandolim, além de ser amigo de Pixinguinha, Donga e João da Baiana, frequentadores de sua casa. Ao lado deles, João Nogueira cresceu sendo muito influenciado pelo choro e o samba de outras épocas.
Ainda menino, começou a tocar violão com o pai que falecera quando João tinha apenas 10 anos. A família, então, passou por um período de dificuldades e João teve que “correr atrás”, como se diz na gíria, trabalhando como vendedor, vitrinista e também como funcionário da Caixa Econômica Federal. Com 15 anos, começou a compor tendo a irmã Gisa Nogueira como parceira. No final dos anos 50 passou a frequentar um bloco de carnaval, o Labareda do Méier, do qual veio a ser seu diretor anos mais tarde.
Em 1970, João estreou profissionalmente quando Elizeth Cardoso gravou sua música, "Corrente de Aço" e, logo no início da carreira, passou a ser conhecido pelo suingue peculiar que costumava emprestar às músicas que cantava. Conseguiu misturar o requinte das harmonias de outro João, o Gilberto, com uma divisão de voz mais sincopada dando características próprias aos seus sambas. Sendo assim, costumava a se autoproclamar como “sambista de calçada”, a fim de se diferenciar dos sambistas mais tradicionais. Como compositor, teve músicas gravadas por intérpretes como Elis Regina, Clara Nunes, Beth Carvalho e Alcione. Em 1971, ingressou na ala dos compositores da Portela com o samba, "Sonho de Bamba". No final desta mesma década, fundou em sua própria casa o Clube do Samba, funcionando durante anos com animadas noitadas, nas quais resgatavam o melhor dos sambas e seus grandes compositores.
Em mais de 4 décadas de atividade, João Nogueira chegou a gravar 18 discos e teve muitos parceiros musicais, dentre eles, Paulo Cesar Pinheiro, um dos mais importantes. Além de herdeiro biológico, João deixou seu filho como mantenedor de toda sua tradição no mundo do samba, que ao mesmo tempo conseguiu inovar no cenário carioca. Diogo Nogueira impressiona pela voz parecida com a do pai e pelo estilo tanto herdado quanto original. João faleceu na madrugada do dia 6 de junho de 2000, vítima de enfarte, quando ainda se recuperava de um AVC, que o deixara com algumas sequelas.

Jovelina Pérola Negra
Por Nilson Tassi
Jovelina Farias Belfort nasceu em Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro, em 21 de julho de 1944, mas logo se criou na baixada fluminense, mais precisamente no município de Belfort Roxo. Trabalhou como empregada doméstica, casou-se e teve três filhos: José Renato, Cassiano e Cleyton, todos com o marido Nilton dos Santos.
Em sua família ninguém cantava e ela própria não achava que tinha boa voz e, portanto, nunca teve uma oportunidade para entrar no meio artístico. Embora sempre tivesse gostado de cantar. Jovelina era pastora e desfilava na ala das baianas do Império Serrano, e lá, animava o botequim da escola da serrinha ao lado de Roberto Ribeiro e Jorginho do Império, onde ficou conhecida como partideira, sambista que gosta de versar em ritmo de partido alto.
Ao separar-se do marido passou a cantar na noite e foi levada pelo amigo Dejalmir ao Vegas Sport Club, em Coelho Neto, onde começou a cantar os seus pagodes. Foi ele também o responsável pelo seu nome artístico Jovelina Pérola Negra, uma referência à sua cor reluzente. No início da década de 80 frequentava o famoso “Pagode da Tamarineira” no bloco Cacique de Ramos, e passou a conviver com uma geração de sambista que são a alma do samba na Cidade: Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Arlindo Cruz, Beto Sem Braço, Beth Carvalho, Fundo de Quintal e vários outros, contribuindo enormemente para a consolidação do movimento que ficou conhecido como “Pagode Carioca”.
Como vida de sambista não é fácil, Jovelina cantou oito anos na noite até que fosse convidada a cantar na televisão, no programa Som Brasil, quando, então, foi vista pelo produtor Milton Manhães (que viria ser o produtor de nove de seus onze discos), que a convidou para gravar um disco. A produção era o que no mercado fonográfico se convencionou chamar de “pau de sebo”, que consiste em lançar vários cantores ainda desconhecidos num mesmo álbum para ver os que conseguem agarrar a chance (se agarrar ao “pau de sebo”). Deste trabalho de 1985, que teve o título de Raça Brasileira, faziam parte: Zeca Pagodinho, Mauro Diniz, Elaine Ferreira e Pedrinho da Flor entre outros. Jovelina cantou os pagodes “Bagaço da Laranja” e “Feirinha da Pavuna”, duas de suas gravações mais conhecidas. Na contra capa do disco estava escrito “Jovelina entra de pé direito nos trabalhos musicais, colocando pra fora, num misto de ingenuidade e humildade, o seu potencial vocal e sua ginga, própria dos negros.” Apesar da gravadora RGE não apostar muito no projeto, o vinil foi um sucesso tão grande que a gravadora chamou cada um dos intérpretes para gravar individualmente. Entretanto, Jovelina, temendo o fracasso, não foi imediatamente, só se decidiu um ano depois, pois já tinha assinado contrato e correria o risco de pagar multa. Nessa época Jovelina ainda morava num barraco em Belfort Roxo e tinha dois filhos pequenos. Foi gravar seu primeiro disco levando o sonho de ganhar muito dinheiro e dar aos filhos tudo o que não teve.
Seu primeiro disco individual “Jovelina Pérola Negra” saiu em 1986, e a partir daí a sambista gravou um disco por ano até 1993 sendo cinco deles individuais, e outros em encontros, como por exemplo, com D.Ivone Lara em 1987. A esta altura Jovelina já havia comprado uma casa em Jacarepaguá, fazia shows por todo o Brasil e também levou o seu pagode para a França, Japão e Angola. Seus dois últimos discos foram “Samba Guerreiro” de 1996 e “As 20 preferidas de Jovelina Pérola Negra” de 1997.
De voz rouca e potente, considerada herdeira do estilo de Clementina de Jesus, conquistou vários admiradores no mundo da música, tais como Alcione, que a homenageou em um de seus discos, e Maria Bethânia, que certa vez numa festa no Terreirão do samba não quis ir embora sem antes ver “Dona Jove” versar. Jovelina foi, junto com uma geração de sambistas já citados, responsável por levar o samba dos quintais e das rodas de samba para a corrente principal da música brasileira.
A sambista nos deixou em 2 de novembro de 1998, vítima de enfarte enquanto dormia em sua casa na Pechincha em Jacarepaguá.

Martinho da Vila
Por Nilson Tassi
Martinho José Ferreira, nasceu em Duas Barras-RJ, em 12 de fevereiro de 1938. Seus pais eram lavradores da Fazenda do Cedro Grande. A vida difícil faz a família se mudar para o Rio de Janeiro, quando Martinho tinha 4 anos de idade, em busca de um futuro melhor, indo morar no bairro de Lins e Vasconcelos. Seu pai então começa a trabalhar em fábricas como operário. Quando adolescente Martinho faz curso profissionalizante no SENAI e tem seu primeiro emprego como Auxiliar de Química Industrial. Porém, para continuar no trabalho o aprendiz já deveria ter prestado serviço militar. Aos 18 anos, Martinho entra para o exército, servindo em Deodoro, ao perceber que poderia ganhar mais como militar, resolve engajar e fazer curso para sargento burocrata, se tornando então escrevente e contador, curso que aperfeiçoaria também fora do exército.
Naquela época o samba era só passatempo e Martinho fazia para amigos que gostavam de ouvi-lo embora já fizesse parte de escolas de samba da cidade, iniciando nos Aprendizes da Boca do Mato e posteriormente ingressando na Unidos de Vila Isabel, sua escola de coração e com a qual sua história se confunde. Sua dedicação à escola era tanta, que passou a ser conhecido como o Martinho da Vila, e já naquele período assinava sambas enredo da agremiação do bairro de Noel. Entretanto, era a época dos grandes festivais de música, e ele resolve inscrever a canção “Menina Moça” no Festival da Record de 1967, que, para sua surpresa, foi classificada. O habitual na época era que as músicas fossem defendidas por um grande intérprete. E Jamelão, que seria o escolhido para a música de Martinho, estava com muitos compromissos e não poderia participar. O Festival se aproximava e Martinho, sem intérprete para sua música, resolve defende-la ele mesmo. Ele pareceu gostar da brincadeira e no ano seguinte inscreveu “Casa de Bamba”, que viria a ser um dos seus grandes sucessos.
A apresentação no Festival de 1968 lhe rendeu um convite da gravadora RCA Victor, então, a mais importante do país. A princípio Martinho pensava que algum grande cantor iria gravar suas composições, mas a gravadora queria que o sambista assinasse contrato como cantor, o que por incrível que pareça deixou Martinho chateado no primeiro momento, mas pensando um pouco melhor, aceitou o convite.
O disco saiu em 1969 com o título “Martinho da Vila”, e foi o maior sucesso de execução e vendagem do ano, trazendo músicas como: “Casa de Bamba”, “O Pequeno Burguês”, “Quem é do mar não enjoa”, “Yaia do cais dourado” (samba enredo da Vila de 1969, de sua autoria) e “Tom Maior”. Segundo o próprio cantor, em relação ao mercado fonográfico da época, talvez tenha sido o seu disco que mais vendeu, proporcionalmente falando. A ele não restou outra alternativa senão dar baixa do exército em se tornar cantor profissional.
Em pouco tempo Martinho da Vila se tornou um dos nomes mais importantes da música brasileira, seus discos eram aguardados com ansiedade todos os anos, e foi colecionando seguidos sucessos. Seu nome se tornou sinônimo de samba no Brasil. Após o primeiro disco se seguiram “Meu laia raia”, “Memórias de um sargento de milícias”, “Batuque na cozinha”, “Origens” e os célebres “Canta Canta minha gente” de 1974 e “Maravilha de cenário” de 1975.
Estrela da música brasileira, Martinho não abandonava a sua Vila, da qual foi intérprete de samba enredo, criador de enredo e por 10 vezes autor do samba que a escola levou para a avenida. Sendo quatro vezes seguidas de 1967 a 1970. Os sambas enredo mais importantes da história da escola são de sua autoria, dos quais se destacam: “Sonho de um sonho” de 1980, “Prá tudo se acabar na quarta feira” de 1984 e a lindíssima homenagem a Noel Rosa de 2009. Porém sua contribuição mais importante para a escola talvez tenha sido o enredo “Kizomba, a Festa da Raça”, que deu a escola o seu primeiro título, e é considerado um dos desfiles mais importantes da história do carnaval. Martinho já havia sido o autor do enredo da escola outras cinco vezes e, em 2006, contribui também na criação do enredo “Soy loco por ti America. A Vila canta a Latinidade”, que deu a escola seu segundo título.
Por falar em títulos, o vascaíno Martinho recebeu vários. Cidadão Carioca, Cidadão benemérito do estado do Rio de Janeiro, Comendador da República em grau de oficial, e em 1991 recebeu o Premio Sharp de música, entre outros. Ao retornar a sua cidade natal para uma homenagem, descobriu que a fazenda na qual havia nascido estava à venda, e não hesitou em comprá-la. Hoje ela é o seu lugar off-Rio.
É considerado um dos artistas que melhor representa a cultura brasileira no exterior, levando sua música a Europa, com participações no Festival de Montreux, e África, em especial a Angola, se tornando um dos nossos mais legítimos representantes da cultura negra. Nesse aspecto, idealizou juntamente com o maestro Leonardo Bruno o “Concerto Negro”, uma ligação da cultura negra com a música erudita, embora fosse músico intuitivo.
Durante as décadas de 80 e 90, Martinho da Vila continuou vendendo muitos discos e sempre emplacando vários sucessos. O seu álbum “Tá delícia, Tá gostoso” de 1995, alcançou a maior vendagem de um disco de samba no país, mais de um milhão de cópias. Na mesma época, Martinho abre o bar “Butiquim do Martinho”, que funciona durante nove anos como um reduto cultural do samba, tocando boa música e servindo petiscos e chope gelado. Foi obrigado a fechá-lo por determinação do shopping Center onde funcionava. O sambista também dá os seus passos na literatura, tendo escrito dez livros, abordando temas variados, e de vários gêneros: infantil, infanto-juvenil, romance, autobiografias e política.
Seu mais recente projeto reúne cinco dos seus oito filhos de quatro casamentos, que já lhe renderem dez netos. Martinho resolveu gravar o CD/DVD “Lambendo a cria” com seus filhos músicos. Analimar (vocalista que já acompanhou o pai e agora canta com a irmã), Mart´nália (já conhecida do grande público), Juju Ferreira (vocalista da banda do pai, que se lançará em carreira solo), Tunico Ferreira ( percussionista e compositor) e Maíra Freitas (pianista erudita, que se lançou em carreira solo de música popular), o resultado da gravação superou as expectativas do pai, e o grupo já tem uma vasta agenda de shows marcados.
Considerado pela APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) o melhor cantor de 2010, Martinho da Vila está em plena atividade aos 73 anos, cantando melhor do que nunca e desfrutando do seu talento artístico na maturidade, mas como sempre levando a vida no seu ritmo, “... devagar, devagarino...”. Segundo o grande pesquisador de música e estudioso do samba Sergio Cabral, se o perguntassem qual artista melhor traduz a alma do carioca, ele responderia sem titubear, Martinho da Vila.

Monarco
Por Norton Ribeiro
Nascido no bairro de Cavalcanti em 17 de agosto de 1933, ainda pequeno foi morar em Nova Iguaçu. Porém, Monarco foi criado em Oswaldo Cruz, quando ainda criança, recebeu este apelido. Seu verdadeiro nome, no entanto, é Hildemar Diniz. Antes dos 10 anos de idade já frequentava as rodas de samba de Oswaldo Cruz, conhecendo grandes bambas como, Paulo da Portela, o fundador e ícone da Escola de Samba azul e branco. Já aos 11 anos, começava sua carreira de compositor, testemunhando grandes títulos da Portela, como o de 1947, quando a escola ganhou seu sétimo campeonato seguido. Era soberana na avenida e até hoje foi a Escola que mais ganhou títulos no carnaval. Em 1950, Monarco entrou para a ala de compositores da Portela, da qual faz parte até hoje. Nos anos 60, teve uma breve passagem pela Unidos do Jacarezinho, voltando para a azul e branco posteriormente quando ingressou na Velha Guarda.
Seu primeiro disco solo foi lançado em 1976, com sucessos como "O Quitandeiro" (em parceria com Paulo da Portela), "Lenço" (com Francisco Santana) entre outros clássicos. Outro disco de sucesso, "Terreiro", foi lançado em 1980. Em 1995, Monarco ganhou reconhecimento internacional com o CD "A Voz do Samba", lançado no Japão, disco que lhe rendeu um prêmio Sharp de melhor cantor do gênero.
De linhagem nobre no samba, sendo discípulo de Paulo da Portela, e música com melodias e letras apuradas, Monarco figura entre os maiores sambistas da história. Entre seus grandes sucessos estão: "Vida de Rainha", "Passado de Glória" e "Coração em Desalinho". Em 1999, a cantora Marisa Monte convidou Monarco e a Velha Guarda da Portela para o CD "Tudo Azul", de sua produção, que contou com participação de Paulinho da Viola e Zeca Pagodinho.
Em 2010, Monarco gravou seu primeiro DVD - "Monarco: A Memória do Samba" - no dia 28 de setembro, no Teatro Oi Casa Grande, Rio de Janeiro. O projeto vem com a promessa de se tornar um registro histórico do mundo do samba. Desse DVD participam Zeca Pagodinho, Martinho da Vila, Paulinho da Viola, Velha Guarda da Portela Beth Carvalho e Família Diniz. Tudo sob a direção artística de seu filho, Mauro Diniz.
Suas composições fizeram sucesso em vozes de grandes intérpretes como Beth Carvalho, Roberto Ribeiro, Martinho da Vila, João Nogueira, Zeca Pagodinho, entre outros, as quais ficaram conhecidas por imortalizar grandes personagens da história do samba portelense e por ter uma bela linha melódica, dolente, tomando por inspiração os sambas de terreiro. Monarco assumiu o comando da Velha Guarda da Portela nos anos 70 e, junto com Paulinho da Viola, formou um grupo interessado em gravar e registrar os sambistas históricos de sua agremiação. Tal iniciativa inspirou outras escolas, como: Mangueira e Império Serrano a organizar seus sambistas da Velha Guarda.
Atualmente, nas rodas de samba com os bambas da Portela, Monarco é visto como uma espécie de guardião da memória do samba de outros tempos, mas sempre buscando a vitalidade para levar novamente a Portela ao topo.

Nei Lopes
Por Walmir Pimentel
Nei Lopes, nascido no Irajá, a 9 de maio de 1942, é um intelectual extremamente popular, poeta negro em essência, integrante por anos da ala de compositores do Salgueiro, talento puro e inquestionável do subúrbio carioca.
Pai de Neizinho, músico do DNA do Samba e professor de Educação Física. Vô de Larissa e Neinho, Ibejes guardiões dos míticos segredos africanizados na mangueira fiel.
“É isso aí, e Irajá...” Nei Lopes, trecho do seu Samba “Ê Irajá”.
Parte considerável da família, bem debaixo da mangueira. Neizinho, Doceu, Vilma... Eis o berço sagrado e intransferível.
Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil (atual UFRJ), Nei Lopes é autor também de vasta obra publicada em livros. São dele, obras primas de nossa música e de nossa literatura, sendo Nei Lopes um clássico da nossa cultura popular.
Fiel intérprete de suas canções, Nei Lopes desfila seu riquíssimo repertório por palcos importantes, como o do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, Municipal de Niterói, João Caetano, Dulcina, Rival, Memorial da América Latina e SESC-Pompéia, SP, entre outros. Em Havana, Cuba, apresentou-se no Teatro Nacional, em 1997 e 2001.
Pesquisador sistemático das culturas africanas, Nei Lopes é autor, a partir de 1981, de vasta obra publicada em livros e periódicos. Graças à sua atuação intelectual, Nei Lopes tem sido convidado a participar, como conferencista, painelista e integrante de mesas redondas em eventos realizados em locais como as universidades do Estado do Rio de Janeiro, Federal do Rio de Janeiro, Federal do Maranhão, Federal de Pernambuco, Federal Fluminense etc., sempre discorrendo sobre aspectos das culturas africanas no continente de origem e na diáspora.
Nobre defensor da cultura africana e, um incansável lutador no resgate do mais genuíno samba em nosso país, teve ao longo de sua carreira influência fortíssima e eterna, pra não dizer as mais relevantes, no quintal de sua família, no doce e distante subúrbio do Irajá. Lá, pode brincar como menino de gueto, vendo o bailar sutil de pipas multicoloridas, as bolas de gude a palmo contado e os “piões” que giravam nas fieiras míticas do terreiro de seu Zé Espinguela.
“Não sei se sou farelo, recheio ou glacê, mas eu quero é fazer parte desse bolo”, como dizia o amigo de bairro, uma figura singular, irreverente e saudosa de apelido Pingo, Nei Lopes é parte significativa desse universo extraordinário deixado por nossos antepassados africanos em símbolo idecodificável de nossa arte.
O Irajá rural gerou o “mulatinho” Nei, que viria a se tornar o grande negro Nei Lopes, advogado, escritor, cantor e compositor consagrado. Em suas relações fraternas com o amigo de infância e de banco escolar Mauricio Teodoro, na Escola Técnica Visconde de Mauá, em Marechal Hermes, que consolida sua condição de negro e cidadão consciente. Com Gilberto Popó, atabaquista e alabé renomado nos candomblés da vida, conheceu a casa da Tia Dina e solidificou seu papel fundamental como agente de transformação em defesa da causa negra em nossa doente atmosfera racista. Tendo o Grêmio Pau Ferro do Irajá, clube fundado por seu pai e amigos do bairro, como primeiro “palco” e “campo de provas” de suas iniciais atividades artísticas, viu seu talentoso irmão Zeca (José Braz Lopes) conduzir toda a produção cultural daquele espaço de alegrias e congraçamentos da gente do lugar. Era fã incondicional do seu irmão Zeca.
No Beco da Coruja, atual Rua Severiano Monteiro, Nei frequentou as concorridas festas do padroeiro São Sebastião e, no Cantinho da Fofoca, em Botafogo, pode observar a efervescência popular escorrendo pelos caminhos dos pagodes regados a muita bebida, comida e música de qualidade.
Reverenciou Candeia como poucos e, carregou a bandeira do negro como ninguém. Em forma de arte, viva o Quilombo! A sombra da majestosa mangueira do quintal, Nei ainda sente toda a saudade na imagem de um violão e de uma acolhedora espreguiçadeira, na “moda do Caranguejo”, o beijo na mão da ancestralidade e os conselhos de vida em forma de opinião.
Hoje, além de sócio correspondente do CICIBA, Centro Internacional de Civilização Bantu, com sede na república do Gabão, Nei Lopes continua a ser um expoente na casuística negra em suas variadas vertentes culturais.
Teve vários parceiros musicais expressivos, mas, foi com o grande mestre Wilson Moreira que, em rios de beleza e sensibilidade, criou pérolas de extremo valor poético, melódico e harmônico, regularmente visitados por grandes nomes de nossa música.

Nelson Cavaquinho
Por Nilson Tassi
Nelson Antonio da Silva nasceu no Rio de Janeiro, mais precisamente na Rua Mariz e Barros, próximo à Praça da Bandeira, em 29 de outubro de 1911. Inicia-se na música na família de seu pai, Brás Antonio da Silva, músico da Banda da Polícia Militar, na qual tocava tuba. De tanto ouvir seu tio Elvino tocar violino, resolve construir seu primeiro instrumento, um brinquedo feito com uma caixa de charutos e barbantes esticados, amarrados em pregos, simulando um cavaquinho. Com ele, passava horas tentando acompanhar o tio.
Sempre com dificuldades para pagar aluguel, sua família vivia se mudando. Nelson tinha oito anos quando foram morar no pé do morro de Santa Tereza, próximo ao convento das Carmelitas, onde a mãe, Maria Paula, paraguaia e índia, arranjaram emprego de lavadeira. Lá, Nelson frequentava as aulas de catecismo e sempre aguardava a mãe chegar com as sobras da cozinha para comer. Um pouco mais tarde a família se muda para a Gávea, reduto de chorões, e Nelson começa a participar das rodas de choro.
Aprende rápido a dominar o instrumento, que pegava emprestado dos outros chorões, e ganha o apelido que o acompanharia pelo resto da vida. Nelson Cavaquinho. Com o tempo, passa a dar “quedas” nos chorões mais experientes. A “queda” consistia em modular a melodia de tal modo que os outros músicos tinham dificuldade em encontrar a nota correta para continuar acompanhando, o que por vezes era motivo de diversão para quem estivesse em volta. Datam desta fase as composições “Queda” e “Gargalhada”. Nelson logo conquista a admiração dos freqüentadores das rodas de choro, e ganha seu primeiro cavaquinho de presente de um jardineiro português que virara seu fã.
Aos vinte e um anos, desempregado, Nelson é forçado pelo sogro a se casar com a geniosa namorada Alice, e consegue através do pai um trabalho na polícia, fazendo rondas noturnas a cavalo. Isso seria o seu passaporte para a boemia. Nas suas rondas, Nelson conhece e passa a frequentar o morro da Mangueira, e ter contato com sambistas como Cartola e Carlos Cachaça. Numa dessas noitadas, Nelson perdeu-se de seu cavalo e teve que voltar de bonde para o quartel, lá chegando, para sua surpresa, é recebido pelo animal, que havia voltado sozinho e parecia rir de seu dono, segundo palavras do próprio Nelson. Deu baixa da polícia antes que fosse expulso.
Já arrebatado pela boemia, seu casamento chega ao fim após sete anos, três filhos e muitas brigas, por conta de suas saídas sem dia e hora para voltar. Com os filhos sendo criados por seus avós maternos, Nelson se vê livre para enveredar ainda mais pelo mundo do samba e da boemia. Suas composições só passam a ser gravadas na década de quarenta, quando fora descoberto por Cyro Monteiro, este grava: “Apresenta-me aquela mulher”, “Não te dói a consciência”, “Aquele bilhetinho” e “Rugas”, seu primeiro sucesso. Um pouco antes Dalva de Oliveira gravara “Palhaço”.
Entretanto, na década seguinte Nelson seria pouco gravado e viveria tempos difíceis. Por diversas vezes, daria parcerias de suas músicas a donos de estabelecimentos comerciais que lhe vendiam fiado, o que põe fim a sua parceria com Cartola, que preferiu manter apenas a amizade após Nelson ter vendido uma música que haviam feito juntos. Um “parceiro” comum era Cesar Brasil, proprietário de um pequeno hotel no centro do Rio onde Nelson um dia se hospedou. A ele coube a coautoria de “Degraus da Vida”, um de seus maiores sucessos. Seu verdadeiro grande parceiro viria a ser Guilherme de Brito, músico de hábitos e vida completamente diferentes de Nelson, mas que o completava musicalmente. Em palavras do próprio Nelson, os dois juntos pareciam uma fábrica de sambas.
Nelson vivia na noite, por vezes, se misturava aos sem teto, e era capaz até de distribuir todo o dinheiro de um show entre os mendigos. Na Praça Tiradentes conhece Lígia, sua grande paixão. Moradora de rua, os dois bebiam até dormirem em algum banco de praça. De tanto amor Nelson tatuou o nome dela em seu ombro e compôs a canção “Tatuagem”.
No início da década de sessenta, já casado com Durvalina, sua companheira até a morte e trinta anos mais moça, Nelson começa a frequentar o bar “Zicartola” no centro da cidade, de seu amigo Cartola e sua esposa Zica. Inicialmente um lugar de comida caseira, o bar se transforma em reduto de sambistas e num elo entre o morro e os músicos da zona sul da segunda fase da bossa nova, caracterizada pela revalorização do samba tradicional. A cantora Nara Leão grava duas de suas músicas “Luz Negra” e “Pranto de um Poeta”, e Nelson começa a ter o seu trabalho mais reconhecido, também pelos shows ao lado de Zé Kéti no Teatro Opinião. Seu primeiro registro em disco vem com “Fala Mangueira”, lançado em 1968 ao lado de Carlos Cachaça, Cartola, Clementina de Jesus e Odete Amaral e em 1970 o sambista grava o seu primeiro disco individual, quando troca o cavaquinho pelo violão.
Artista de estilo inconfundível, que usava apenas dois dedos na mão direita do violão, sua voz rouca, suas melodias improváveis e letras poéticas, nas quais a tristeza e a morte eram temas recorrentes, fizeram de Nelson um sambista único, que compunha músicas na simplicidade, porém carregadas de sofisticação. Com mais de quatrocentas composições, o poeta nos deixou em 18 de fevereiro de 1986, mas sua obra ficará para viva para sempre.

Nelson Sargento
Por Nilson Tassi
Nelson de Matos veio ao mundo em 25 de julho de 1924, na Santa Casa de Misericórdia na Praça XV. Filho de mãe empregada doméstica e pai cozinheiro, Nelson morava com a mãe na tijuca na casa do comerciante de secos e molhados Manoel Ferreira Dias, pois com o pai teve pouco contato já que logo se separou de sua mãe. Sua mãe deixou o emprego e foi morar no morro do Salgueiro, lavando roupa para várias famílias da Tijuca, com o menino Nelson fazendo as entregas.
Aos 12 anos descobre o samba tocando tamborim numa das duas escolas existentes no morro a “Unidos do Salgueiro” e “Depois eu digo”, que fundidas por José Casemiro, conhecido como “Calça Larga”, deram origem a “Acadêmicos do Salgueiro” nos anos 50.
Sua mãe vivia com um senhor de idade chamado Arthur Pequeno, que era muito amigo de Antonio Português, importante compositor da Estação Primeira de Mangueira. Quando o padrasto faleceu, Nelson e a mãe foram morar na casa de Antonio no morro da Mangueira. Antonio era empreiteiro de obras, e Nelson logo começou a ajudá-lo na pintura, profissão que exerceria por muitos anos e também o levaria a descobrir seu talento para as artes plásticas. Num dia, cansado, e com um pouco de raiva, pegou um pedaço de madeira, encheu de massa e começou a pintá-lo. Nascia um pintor de quadros. O jornalista e pesquisador Sergio Cabral foi um grande incentivador dessa atividade de Nelson, fazendo uma exposição de seis quadros dele em sua casa, todos foram vendidos, e o primeiro a comprar foi Paulinho da Viola.
Embora fosse português e branco, algo pouco comum naquele meio na época, Antonio sabia tudo de samba, era exímio letrista, e logo percebeu o talento de Nelson para compor, então viraram parceiros. Juntos compuseram o que até hoje é considerado pela crítica o melhor samba da Mangueira “As Quatro Estações do Ano”, ou “Primavera” de 1955. Mas anteriormente já havia composto na escola outros sambas de enredo, com Cartola e Nelson Cavaquinho.
Por ter servido ao exército e chegado à patente de sargento, ganhou o apelido que virou seu nome artístico, Nelson Sargento. Com o início bem sucedido na escola de samba, Nelson começa a fazer parcerias com nomes conhecidos do samba, tais como: Guilherme de Brito, Jamelão, D. Ivone Lara, Jair do Cavaquinho, Darcy da Mangueira e João de Aquino. O seu samba “Agoniza mais não morre” esta na lista dos maiores de todos os tempos. Nelson também era irônico e crítico, faceta que pode ser verificada no samba “Nosso falso amor sincero”, que nos traz a seguinte pérola: “o nosso amor é tão bonito, ela finge que me ama e eu finjo que acredito.”
Nos anos 60, Nelson tocou no grupo que animava as noites do Zicartola, o famoso bar de Cartola e Dona Zica, na Rua da Carioca, que marcou época. Mas sua carreira começa a deslanchar mesmo no grupo “A Voz do Morro” ao lado de Paulinho da Viola, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Zé Kéti, Anescarzinho do Salgueiro e José da Cruz. Com eles gravou dois LPs em 1965 e 1966. Mas a gravadora só continuou com Paulinho, Elton e Zé Kéti. Nelson então forma “Os Cinco Crioulos” que integrava ex-componentes do célebre show Rosa de Ouro, do qual participou e do Voz do Morro, com o novo convidado Mauro Duarte. Com este grupo gravou três LPs. Seu primeiro disco solo só viria em 1979 “Sonho de um sambista”. Depois do primeiro vieram mais oito de carreira e algumas coletâneas.
O oficio de pintor de quadros começa a ficar latente com a idade mais avançada, e por conta disso recebeu a homenagem de Moacyr Luz e Aldir Blanc com a música “Flores em Vida”. Esta música deu nome ao disco de 2002, indicado ao premio Grammy de melhor álbum de samba. Também em sua homenagem, em 1997 o cineasta Estevão Ciavatta dirigiu o documentário “Nelson Sargento da Mangueira” que recebeu prêmios do VIII Festival de Curtas de São Paulo, e ganhou o Kikito de melhor trilha sonora no Festival de Cinema de Gramado. No Rio Cine ganhou também os prêmios de melhor montagem e os prêmios especiais da crítica e do júri. O filme é todo passado no morro da Mangueira, com Nelson contando suas histórias, exercitando sua excelente memória, revendo amigos e exaltando a paisagem do local e suas poesias, como em “O Encanto da Paisagem” título do seu segundo disco solo. Atuou também nos filmes “O Primeiro Dia” de Walter Salles e Daniela Thomas, e de “Orfeu” de Cacá Diegues, a quem conhecera ao se oferecer para pintar sua casa. Segundo o cineasta aquela foi a pintura mais demorada da arquitetura moderna, pois vez por outra engatavam na conversa, com Cacá se deliciando com as histórias de Nelson. Desse momento surgiu o convite para o filme.
As produções artísticas de Nelson Sargento não param por aí. Ele também escreveu livros um de poemas em 1994, Prisioneiro do mundo, um de contos em 2003, O samba e eu, um de ensaios em 2008, Pensamentos, e é coautor da biografia de Geraldo Pereira, Um certo Geraldo Pereira, que foi um grande compositor na Mangueira.
Nelson Sargento, além de compositor, cantor, músico, pintor, ator e escritor, pode ser considerado um pensador. É crítico das mudanças sofridas pelo samba e pelas escolas de samba. É um observador atento das coisas ao seu redor, e delas tem uma sábia compreensão, ao dizer: “o progresso é inevitável, tem que haver, você não pode disciplinar o progresso, você é que tem que se disciplinar em relação ao progresso, senão ele leva tudo de roldana.”
Do carnaval ele é saudoso da espontaneidade da festa, das fantasias engraçadas e dos blocos que não tinham hora nem local para aparecerem. Apenas apareciam. E das escolas, embora reconheça o profissionalismo das mesmas, acha que são muito diferentes do seu tempo, quando o verdadeiro sambista tinha mais espaço. Entretanto faz uma profética ressalva aos blocos de rua de hoje, que parecem estar retomando um pouco daquele espírito. O que pudemos verificar nos três últimos carnavais.
Nelson Sargento é, verdadeiramente, uma personalidade do samba. Está à altura dos mais importantes e celebrados sambistas, como Cartola, Noel Rosa e Pixinguinha. Sua memória é uma enciclopédia viva dos últimos 60 anos da história do samba e seu talento deve ser reverenciado.

Paulinho da Viola
Por Walmir Pimentel
“Solidão é lava, que cobre tudo, amargura em minha boca, sorri seus dentes de chumbo, solidão palavra cravada no coração...” DANÇA DA SOLIDÃO/PAULINHO DA VIOLA.
Paulinho da Viola nasceu e cresceu na música que escorre na veia em Botafogo, bairro nobre da zona sul do Rio de Janeiro. Nasceu em 12 de novembro de 1942, tendo a vida regada por muita música e histórias.
A história musical de Paulinho começa com seu pai – Benedicto César Ramos de Faria – violonista integrante desde a primeira formação do lendário grupo de choro Época de Ouro, considerado o maior grupo de choro da história, ainda em atividade. O jovem Paulinho presenciou importantes reuniões musicais, algumas em sua própria casa. Nesses encontros, viu tocar músicos como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Tia Amélia, Canhoto da Paraíba e muitos outros. Em pouco tempo já tentava os primeiros acordes no violão do pai.
Ainda jovem, por diversas vezes, foi por conta própria às reuniões promovidas por Jacob do Bandolim, o maior virtuose do instrumento no país, lá ficava atento aos encontros musicais e as histórias do grande mestre. Além de manter contato com o mundo do choro, na sua juventude, Paulinho frequentava a casa de sua tia Trindade no bairro de Vila Valqueire, no subúrbio da cidade. Lá, brincou diversos carnavais, uma experiência marcante para sua formação como sambista.
As escolas e os blocos carnavalescos representavam geograficamente cada região da cidade. Paulinho criou junto com seus amigos o bloco “Foliões da Rua Anália Franco”, para representar a rua onde morava sua tia.
Logo após completar 19 anos, Paulinho consegue seu primeiro emprego numa agência bancária, no centro do Rio. Lá viveria um encontro que o levaria a um outro universo e mudaria sua vida. Conhece Hermínio Bello de Carvalho e, a partir desse encontro, a vida de Paulinho muda completamente. Esse o leva a conhecer pérolas de Zé Kéti, Elton Medeiros, Anescar do Salgueiro, Cartola, entre outros ícones. Logo o convida ao Zicartola, o lendário “restaurante” de Cartola e sua mulher Zica. Dessa amizade com Hermínio nasce uma longa parceria. Certo dia Cartola se aproxima dele e diz: “Paulo, você está vindo aqui,
usando seu tempo para tocar e não está ganhando nada. Tome aqui um dinheiro pra passagem”. Era um pagamento, sutilmente colocado por Cartola. Foi o primeiro pagamento que Paulinho recebeu por sua música, justo das mãos de Cartola. Pode-se dizer então, que Cartola o profissionalizou.
Em 1964 conhece aquele que viria a ser o grande amor de sua vida (a PORTELA) e, pode ter contato com mitos da escola, como Candeia, Valdir 59, Ventura, Monarco e outros grandes. Em 1966 ganha nota máxima de todos os jurados e, com seu samba enredo “Memórias de um sargento de milícias”, vê sua escola ser campeã. Tempos depois, insatisfeito com os rumos políticos da agremiação, se afasta e aproxima-se de Mangueira, onde cria a obra prima “Sei lá Mangueira”, uma exaltação e tanta a grande rival. Isso causa ciúmes na azul e branca de Madureira e, segundo diz a lenda, seu Natal logo o mandou um recado: “Diz ao Paulinho que preciso conversar sério com ele.” E a conversa surtiu efeito imediatamente e, explodiu em 1970, sendo eleito a referência maior na obra do grande Paulinho da Viola. Essa canção seria eleita pela maior emissora de TV do país, uma das 30 que mais marcaram nosso vasto acervo musical em todos os tempos.
Vê sua obra gravada por monstros sagrados da MPB, como Chico Buarque (Sinal Fechado), Dança da Solidão (Marisa Monte), Toquinho, Elza Soares, Elizeth Cardoso...
Paulinho é, sem qualquer sombra de dúvidas, a grande ponte entre o presente e o passado do nosso samba mais autêntico. O Vascaíno Paulinho disse: “Eu sou assim, quem quiser gostar de mim, eu sou assim...”.

Roberto Ribeiro
Por Nilson Tassi
Demerval Miranda Maciel nasceu em Campos dos Goytacazes em 20 de julho de 1940, e tinha como sonho ser jogador de futebol, chegando a atuar como profissional, primeiramente em times locais como o Cruzeiro e o Rio Branco, e posteriormente como goleiro do Goitacás, onde era conhecido como “Pneu”. Em sua cidade natal já frequentava a Escola de Samba Amigos da Farra e já unia muito bem duas paixões brasileiras: samba e futebol.
Em 1965 muda-se para o Rio de Janeiro para tentar a vida como jogador de um clube grande e chega a treinar no Fluminense, mas uma contusão séria interrompe o sonho do atleta, mas não o do sambista, que começa a se apresentar no programa “Hora do trabalhador” na Rádio Mauá. Sua voz polida, sua afinação, sua dicção perfeita e o grande carisma no palco, chamaram a atenção da compositora Liette de Souza, irmã do também compositor Jorge Lucas, que se tornaria sua esposa e mãe de seu filho Alex. Foi Liette quem o levou para o Império Serrano. Dessa forma, Roberto logo se entrosa com os sambistas da serrinha e passa a frequentar as rodas de samba da escola de Madureira, sendo convidado a interpretar o samba enredo na avenida no carnaval de 1971. Entretanto, nos dois carnavais seguintes Roberto se ausenta para gravar seus primeiros discos como cantor, retornando em 1974 e se fixando como intérprete oficial da escola, função que ocupou até 1981. Como compositor do Império, compôs, em parceria com o cunhado, o grande samba “Brasil Berço dos Imigrantes” de 1977, sucesso em todo Brasil na época e até hoje um dos mais conhecidos e cantados na quadra, e também “Municipal Maravilhoso, 70 anos de glórias”, (com Jorge Lucas e Edson Passos). Roberto sempre foi um dos grandes responsáveis pela divulgação dos sambas do Império, pois sempre os gravava em seus discos.
Sua carreira começa a decolar em 1972, ao gravar três compactos com Elza Soares, pela Odeon, que lança logo depois o LP “Elza Soares e Roberto Ribeiro” e no ano seguinte grava um LP com a cantora Simone, voltado para o mercado externo.
Já casado com Liette, Roberto Ribeiro começa a se tornar sinônimo de sucesso, sendo muito elogiado pela crítica e começando a vender muitos discos. Em 1975 o samba “Estrela de Madureira” foi bastante tocado, e no ano seguinte o seu LP “Arrasta Povo” estoura em todo Brasil as faixas “Tempo é” e “Acreditar”. No final dos anos 70, Roberto Ribeiro já era um dos cantores mais executados no Brasil, e fazia shows por todo o país, a música “Todo menino é um Rei” era o carro chefe dos seus sucessos. O LP com o mesmo nome foi um dos discos mais vendidos de 1978 e ele ainda teve a música “Meu Drama” incluída na trilha sonora da novela “Pai Herói” em 1979, o que na época significava estrondoso sucesso. Na mesma época se seguiram sucessos como “Vazio” e “Partilha” do seu LP “Coisas da Vida”.
No início da década de 80, devido ao seu grande sucesso, Roberto Ribeiro grava com Ivan Lins um dueto em “Desesperar Jamais”, uma das mais famosas gravações daquele cantor e compositor. Roberto continuava sendo muito tocado, e havia lançado o LP “Fala meu Povo”, que foi seguido por “Roberto Ribeiro” e “De Palmares ao Tamborim”. No disco de 1985, o dueto da vez, foi com nada mais nada menos que Chico Buarque de Holanda, na faixa “Quem te viu quem te vê”. Um prova do reconhecimento, penetração na mídia e respeito dos quais Roberto desfrutava na música popular brasileira. Na mesma década, Alcione e o Grupo Raça fizeram participações em discos seus.
No início da década de 90 o mercado fonográfico havia mudado bastante e Roberto já não tinha o mesmo sucesso, diabético, o cantor perde uma vista em virtude de um fungo. Ainda assim grava um disco de alta qualidade com clássicos do samba, porém sem muito sucesso. Afastado da mídia, e ainda se recuperando, Roberto não consegue ficar longe do samba. No carnaval de 91, contra a vontade de Liette, saiu dizendo que ia desfilar na Mocidade. Após algumas horas a esposa o vê na TV abraçado ao patrono da agremiação, em pleno sambódromo, comemorando o título da escola de Padre Miguel. No mesmo ano, grava o programa “Ensaio” na TV cultura, do qual existe um DVD lançado em 1997.
Roberto Ribeiro nos deixou em 8 de janeiro de 1996, vítima de atropelamento no bairro de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro. Sua trajetória é irretocável, sem jamais ter vulgarizado o seu repertório, sempre dando ao samba muita dignidade, e marcando uma época na história da música brasileira. Seu repertório foi relembrado no disco “Leandro Sapucahy canta Roberto Ribeiro” e por Neguinho da Beija Flor, que também gravou músicas de seu repertório. Em 2006, sua esposa lança o livro “Dez anos de saudade”, contando a sua história, e com um show no Rio na sala Baden Powel. Hoje, sua obra ganha continuidade com o trabalho de seu único filho Alex Ribeiro, que se lança cantor colocando o nome e o legado de seu pai novamente em evidência. Em 2010, no Teatro Trianon, em Campos, sua cidade natal, Alex realiza um show em tributo a Roberto Ribeiro, com a participação de Elza Soares, madrinha artística de Roberto, e agora também de seu filho Alex.

Silas de Oliveira
Por Walmir Pimentel
Silas de Oliveira nasceu a 4/10/1916, no Rio de Janeiro. Foi um dos maiores compositores do mundo do samba. Recordista de sambas de enredo no Império Serrano, Nasceu no subúrbio de Madureira. Filho do professor e pastor protestante José Mário de Assumpção e de Jordalina de Oliveira de Assumpção, moradores da Rua Guaxima, em Vaz Lobo. Escondido de seu pai, frequentava as rodas de samba e de jongo ao lado de Rufino, Mestre Fuleiro, Olímpio Navalhada, Aniceto do Império e Mano Eloy, este último pai-de-santo e jongueiro respeitado.
Em 1934, compôs com Mano Décio da Viola o primeiro samba, "Meu grande amor". Mano Décio o levou para a escola de samba Prazer da Serrinha, que posteriormente se tornaria o Grêmio Recreativo e Escola de Samba Império Serrano. Começou tocando tamborim e passou a ser diretor de bateria. Seu primeiro samba para escola foi "Sagrado amor”. Na década de 1940, corrigia os erros nas letras dos sambas que os compositores da escola mandavam para as pastoras aprenderem a cantar.
Com Mano Décio da Viola compôs o samba-enredo "Conferência de São Francisco", em 1945. Em 23 de março de 1947, juntamente com Mano Décio da Viola, Fuleiro, Rufino, Sebastião de Oliveira e outros, fundaram o Grêmio Recreativo e Escola de Samba Império Serrano. Aprendeu com o diretor de harmonia na época, Antônio dos Santos - O Mestre Fuleiro -, a tocar tamborão (versão grande do tamborim). O ano de 1969 foi o último em que a escola desfilou com um samba seu, "Heróis da liberdade", gravado posteriormente por Elza Soares com sucesso.
Faleceu enquanto apresentava dois de seus mais famosos sambas-enredo no Clube ASA, em Botafogo, bairro do Rio de Janeiro, em roda de samba promovida pelo também compositor Mauro Duarte. Foi velado na Associação de Escolas de Samba. Na ocasião do enterro, o presidente da Portela, Natal da Portela (Natalino José do Nascimento), sugeriu que fosse cantado seu samba "Heróis da Liberdade", que passou a ser executado em funerais de sambistas.
Seu nome foi dado à principal rua da favela do Morro da Serrinha: "Rua Compositor Silas de Oliveira", no morro que divide os subúrbios de Vaz Lobo e Madureira.
O compositor Tião Pelado fez essa homenagem ao poeta que nos deixou há 38 anos:
ADEUS DE UM POETA.
Silas
Por nós tu não teria ido agora
É doloroso
Todo o samba chora
Tão cedo por que nos deixou?
Tu foste
Em passos firmes, em linha reta
Um dos mais perfeitos poetas
Orgulho de um compositor
E agora
Tens a tua moradia lá no céu
Está fazendo parceria com Noel
Foste atender ao Criador
Se foi
E ao mundo inteiro disse:
Adeus...
O cenário que emoldura a morte do compositor tem inicio numa derrota de sambas enredos na quadra do Império Serrano. Ou seja, o compositor havia perdido a disputa e, ainda muito abatido, tinha descido a cidade para, na editora de música (Irmãos Vitalli), levantar uma grana para comprar cadernos e livros para suas filhas no colégio. Só que, para sua surpresa, a editora negou-lhe o dinheiro e, por sugestão nossa, resolveu cair na noite e participar da tal roda em Botafogo. Silas que era de falar pouco e, estava completamente perplexo com a negativa da editora.
Sentou-se calado, num canto e, quando chegou sua vez, bastante esperada por todos (Ele não sabia do valor que o povo lhe dava. Não tinha idéia de seu imenso valor). Levantou-se e cantou dois sambas, culminando com o samba-enredo "Os cinco bailes da história do Rio". Quando, justamente no pedaço que diz: ao erguer a minha taça com euforia!”“... Um enfarto o tombou.
Com muita rapidez o levamos para o Rocha Maia, ali perto, onde às 2 horas da manhã, veio a falecer, aos 53 anos.
Depois a comoção por toda cidade.

Walter Alfaiate
Por Walmir Pimentel
Que orgulho eu sinto
de ter nascido neste bairro tão lindo
meu Botafogo querido
Tudo em ti é real
São suas paisagens encantadoras
és o meu bairro, um patrimônio estadual
a natureza com cerimônia te enfeitou
quanta beleza ela doou
quando eu morrer
desejo que o bairro que me viu nascer
torne-se mais belo para minha despedida
para enfeitar minha partida.
(Altamiro Freitas)
Em Botafogo, bairro onde nasceu a 7 de junho de 1930, no Rio de Janeiro, Walter, desde os 13 anos, trabalhou como alfaiate. Ainda criança, começou a compor para blocos carnavalescos da região, como o bloco Foliões de Botafogo e o São Clemente. Participou, nos anos 60, de rodas de samba no Teatro Opinião, e teve algumas canções interpretadas pelo mestre Paulinho da Viola, adquirindo notoriedade a partir de então.
Surgiu no cenário artístico, ainda como Walter Nunes, em 1960, participando das rodas de samba do Teatro Opinião e dos grupos Reais do Samba (1968) e Os Autênticos, entre os anos de 1966 e 1968, integrado também por Noca da Portela, Adélcio Carvalho, Eli Campos e Mauro Duarte.
Ficou conhecido mais tarde como Walter Sacode, por cantar com êxito o samba "Sacode Carola", de Hélio Nascimento e Alfredo Marques, na boate Bolero, em Copacabana. O samba havia sido gravado anteriormente, na década de 1950, por Ciro Monteiro obtendo grande sucesso.
Nos sambas sincopados - especialidade desse mestre da divisão rítmica do canto, com uma voz de timbre encorpado, foi herdeiro da escola do grande Ciro Monteiro -, onde encantou plateias ávidas por ouvi-lo, no calor da boate Bolero, em Copacabana dos anos 1950. Na década de 1970, Paulinho da Viola passou a gravar algumas composições suas. Em 1971 Paulinho da Viola interpretou "Cuidado, teu orgulho te mata (com Mauro Duarte).
No ano de 1978 João Nogueira no LP "Vida boêmia", gravou "Bate-boca" (c/ Mauro Duarte). Neste mesmo ano integrou (tocando tamborim e cantando) o conjunto Os Reais do Samba, que acompanhava Xangô da Mangueira todas as terças-feiras no recém inaugurado Forró Forrado (Casa na qual o diretor artístico era João do Vale).
Em 1979, no LP "Zumbido", Paulinho da Viola incluiu de sua autoria "Coração oprimido", em parceria com Zorba Devagar. Dois anos depois, Paulinho da Viola voltou a gravar outra composição de sua autoria, "AMOR AMOR" (c/ Mauro Duarte).
Em 1993 apresentou-se com Paulinho da Viola no show "Paulinho da Viola, Walter Alfaiate e os sambas de Botafogo", no Teatro Clara Nunes, no Rio de Janeiro-, o que viria a mudar, definitivamente, a vida de seu Walter.
Em 2000, realizou o show "Roda de bamba", no Museu da Imagem e do Som, no Rio de Janeiro, em homenagem aos sambistas Paulinho da Viola, Manacéia e Mauro Duarte, com a presença dos filhos dos homenageados. Neste mesmo ano, comemorou seus 70 anos em show no Teatro Municipal de Niterói, no qual contou com a presença de amigos como Aldir Blanc, entre outros. Ainda em 2000, interpretou em dueto com Dorina "Falso amor sincero" de Nelson Sargento, no disco "Casa de samba 4", produzido por Rildo Hora. No ano de 2002 o cineasta Vital Filho começou a filmagem do documentário "Walter Alfaiate: A elegância do samba".
Em 2005, ao lado de outros convidados como Toninhos Gerais, Noca da Portela, Luiz Carlos da Vila, Rico Doriléu, Darcy da Mangueira e Roberto Serrão, foi um dos convidados de Chico Salles no "Projeto sambando no forró", apresentado no Espaço Armazém Enseada, no Rio de Janeiro. Com Wilson das Neves e Wanderley Monteiro, apresentou um no Centro Cultural Carioca.
Em 2009 apresentou-se no palco do teatro do Oi Futuro, no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro, em show com direção musical de João Hermeto. Em 2010 foi hospitalizado em decorrência de um grave problema de saúde. Na ocasião, vários amigos artistas fizeram shows em sua homenagem, captando em casas noturnas do Rio de Janeiro o suficiente para arcar com o aluguel, as dívidas e os gastos de tratamento médico.
Seu Walter Alfaiate veio a falecer em 27 de fevereiro de 2010.

Wilson Moreira
Por Nilson Tassi
Quem tiver a oportunidade de ouvir algumas das composições de Wilson Moreira, ficará impressionado com a riqueza melódica, com o grande número de sambas conhecidos, a diversidade de parceiros e os variados intérpretes que emprestaram suas vozes à criatividade do sambista. Sua lista de sucessos é de fazer inveja a nomes consagrados da música.
Nascido em Realengo em 12 de dezembro de 1936, tinha seis irmãos. Sua mãe contava que o avô fora sanfoneiro, e jogava caxambu e jongo, com os quais teve muito contato quando criança, pois seus pais eram grandes defensores das tradições africanas.
Como perdeu o pai muito cedo, teve que trabalhar para ajudar a sustentar a família. Vendeu cocada, amendoim, apelido pelo qual era conhecido em Realengo e foi também engraxate. Um dos seus passatempos preferidos era ir às rádios famosas da época, como Tupi, Mayrink e Mauá. O menino que gostava de cantar, com 12 anos já observava com atenção o batuque das escolas de samba. Fazia parte da Unidos de Água Branca, até que um dia o relações públicas da Mocidade apareceu por lá convidando todos para saírem na escola de Padre Miguel, que pela primeira vez desfilaria na Praça Onze. E lá foi Wilson, que pode ser considerar um dos fundadores da escola. Um pouco mais tarde já havia composto um samba com o amigo Ivan Pereira, cujo apelido era Da Volta, para a Mocidade Independente de Padre Miguel. O primeiro samba enredo “Bahia”.
Wilson compôs muitos sambas de terreiro para a Mocidade que era considerada uma escola muito simpática devido à “paradinha” da bateria do Mestre André, e era frequentada por figuras famosas do samba, como Jamelão e Seu Natal, contraventor que comandava a Portela, que convidou Wilson para se transferir para a azul e branco de Madureira.
Coincidentemente, Wilson teve um aborrecimento na ala de compositores da Mocidade e acabou indo a uma reunião na Portela, em 1968, onde foi recebido de pé pelos compositores, com o aval do presidente de honra da escola, o ilustre Natal. Na primeira vez que mostrou um samba na escola “O mais belo requinte”, este foi escolhido para integrar uma coletânea de sambas de terreiro e exaltação da ala de compositores da escola, em 1970. Wilson encontra novos parceiros, tais como: Monarco, Jair do Cavaquinho e Candeia, seu parceiro mais constante na Portela. No primeiro encontro dos dois, Candeia já deu a primeira parte de uma música para Wilson terminar “Quero estar só”, e se surpreendeu com a valorização que Wilson deu à composição. Logo depois fizeram juntos “Não tem Veneno”, um sucesso na quadra, que foi gravado por uma passista do Teatro Opinião chamada Sabrina e foi um grande sucesso nas rádios. Candeia e Wilson fizeram vários sambas juntos e alguns ainda estão inéditos. Logo depois se seguiram parcerias com Mano Décio da Viola, Zé Kéti, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça... Praticamente todas inéditas.
Em 74 integrou um disco do projeto “Quem sabe fica” do radialista Adelzon Alves, pela Odeon, que no mesmo projeto dois anos antes já havia revelado João Nogueira. Wilson gravou as músicas “Meu Apelo” e “Mel e Mamão com Açúcar”. Os sambas tocaram bastante e despertaram a atenção de Nei Lopes que quis conhecer Wilson e então foram apresentados por Delcio Carvalho, que disse na ocasião: “Nei, vou te apresentar um cara que bota música até em bula de remédio”. Começa aí uma grande parceria, sem dúvida a mais frequente e bem sucedida da carreira de Wilson Moreira, o que deixou Candeia enciumado.
Com a saída de Candeia da Portela para fundar o Quilombo, Wilson o acompanhou para ajudá-lo na empreitada, ocupando cargos na diretoria, porém sem jamais sair da escola de Madureira. Em 78 resolveu fazer o samba-enredo da escola de Candeia em parceria com Nei Lopes, que também andava por lá.
Embora tivesse imensa facilidade para compor Wilson não tocava nenhum instrumento de cordas, o que gerou um comentário do Maestro Guerra-Peixe para que continuasse assim para não se bitolar. Naquela época o sambista era bolsista do Museu da Imagem e do som, e lá conheceu sua esposa Ângela, que era sua fã.
Wilson Moreira era funcionário do DESIPE, e era carcereiro em Bangu 1. O trabalho rústico lhe rendeu o apelido de “Alicate” dado por Xangô da Mangueira, devido ao seu forte aperto de mão. De lá guarda uma história interessante: “Um dia fazendo um confere no pátio um detento comentou com o outro: ‘Aí, o caído fez um samba bonito’. No mesmo instante começou a tocar Senhora Liberdade, o segundo se aproximou dizendo também ser compositor e me deu um forte abraço. Saí de lá com um nó na garganta”.
O mesmo samba lhe trouxe uma das suas maiores emoções. Em 1984 durante movimento das diretas já, com a avenida Rio Branco ocupada por milhares de pessoas, Wilson sentou-se no meio fio e chorou ao ouvir a multidão cantando seu samba, tal qual um hino, fato que se repetiu em outros comícios das “Diretas Já” pelo Brasil afora e também nos comícios de Lula em 89.
“Senhora Liberdade” pode ser considerada o carro chefe da dupla Wilson Moreira e Nei Lopes, que também fizeram juntos sucessos tais como: “Goiabada Cascão”, “Gostoso Veneno”, “Coisa da Antiga” entre outras. A dupla gravou dois discos fundamentais de samba, "A Arte Negra de Wilson Moreira e Nei Lopes" e "O Partido muito Alto de Wilson Moreira e Nei Lopes".
Com Zeca Pagodinho, a quem conheceu no início dos anos 80, Wilson compôs “Judia de mim” que fez parte do primeiro disco do consagrado cantor. Porém o primeiro disco individual de Wilson só viria em 1987, e chamava-se “Peso da Balança”, que foi seguido por “Okolofé” (1991) e “Entidades” (2002) feitos para o mercado japonês pela gravadora Bomba Records.
Em 1997, Wilson sofreu um derrame que o deixou parcialmente imobilizado, mas seus amigos sambistas organizaram vários shows em prol da sua recuperação, sendo um deles no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, com a participação de Paulinho da Viola, D.Ivone Lara, Zé Kéti, Nelson Sargento, Zeca Pagodinho e outros, e foi assistido por mais de 1.000 pessoas, apesar da pouca divulgação da mídia
Wilson Moreira tem composições gravadas por uma infinidade de artistas da estirpe de Beth Carvalho, Martinho da Vila, Alcione, Elizete Cardozo, Djavan, e muitos outros. Como disse uma vez Monarco da Portela: “Se for falar dos sucessos do Wilson, não vou terminar”.

Monsueto
Contribuição de Verônica Maia, filha de Monsueto
“Se você não me queria, não devia me procurar...”
Quem, em qualquer roda de samba de boa qualidade, não cantou em bom som, esses versos de Monsueto (Monsueto Campos Meneses)?
Milhares de pessoas ainda cantam no mundo inteiro, mesmo que desconheçam o nome desse importante compositor, cantor e instrumentista, nascido no Rio de Janeiro RJ em 4/11/1924 e falecido em 17/2/1973.
Monsueto foi criado na favela do Morro do Pinto, entre partideiros, sambistas, batuqueiros. Tendo iniciado cedo na prática das percussões, foi baterista em vários conjuntos na década de 1940, inclusive na Orquestra de Copinha, no Copacabana Palace Hotel. A música citada acima foi o primeiro sucesso do músico. A canção “Me deixa em paz”, em parceria com Aírton Amorim, foi, primeiramente, gravada por Linda Batista, no carnaval de 1952.
Em 1953, compôs a canção “A fonte secou” com parceiros, um de seus sambas de maior sucesso, seguido de outro grande êxito, no ano seguinte, “Mora na filosofia”, esta canção em parceria com Arnaldo Passos. Atuou, ainda, no cinema, trabalhando no filme Treze Cadeiras (direção de Franz Eichhorn), em 1957.
No ano seguinte, participou como cantor em números musicais e como compositor em alguns filmes, mostrando o artista multifacetado e sempre à frente de seu tempo, como a obra do mesmo revela.
Atuou em vários shows com Herivelto Martins antes de formar seu próprio grupo, com o qual excursionou pelo Brasil e outros países da América, Europa e África.
Era conhecido também pelo apelido de Comandante, com o qual foi muito popular na década de 1960, época em que participava de um programa humorístico na TV-Rio. Nesse programa lançou expressões de gíria que passaram à linguagem popular, como "castiga", "vou botar pra jambrar", "diz", "ziriguidum", "mora" e outras.
A partir de 1965 começou a dedicar-se também à pintura primitivista, tendo, inclusive, recebido prêmio do Museu Nacional de Belas Artes, do Rio de Janeiro. Sem se ter filiado a nenhuma escola de samba, era bem recebido e respeitado em todas elas, desfilando cada ano em uma diferente. A última, em 1972, foi a Unidos de Vila Isabel. No ano seguinte, participava das filmagens de O forte (direção de Olney São Paulo), na Bahia, em que fazia o papel de um diretor de harmonia de escola de samba, quando ficou doente e foi hospitalizado no Rio de Janeiro, onde morreu vítima de câncer no fígado.
A importância de sua música, caracterizada por uma letra de versos sintéticos, voltou a ser reconhecida pouco antes de morrer, em 1972, a partir das regravações de suas composições por músicos como Milton Nascimento, Caetano Veloso, entre outros.

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